O metabolismo de células cancerosas é diferente do de células normais em muitos aspectos. E essas diferenças são estudadas, pois podem ser alvos interessantes para controlar a doença, já que seria possível desenvolver um remédio que atacasse apenas o câncer. O metabolismo energético, ou seja, o modo como as células conseguem a energia para se manterem vivas, é um dos pontos onde câncer e células normais são bem diferentes. O metabolismo acelerado do câncer costuma causar diversos danos às mitocôndrias, estruturas celulares responsáveis por transformar a energia química das moléculas para uma forma que elas possam utilizar. (Nota: Atenção! As mitocôndrias não geram energia! Nada nesse planeta gera energia; as formas de energia são apenas transformadas. A única coisa próxima de nós que gera energia é o Sol, através de fusão nuclear.) Porém, como os danos às mitocôndrias afetam o câncer não tinha sido estudado de forma clara.
Visando entender esse ponto, um grupo de cientistas da Nova Zelândia, Austrália e República Checa tratou células tumorais muito agressivas (chamadas metastáticas) com um composto mutagênico para causar grandes danos no DNA mitocondrial, até o ponto do dano ser tão intenso que as células perderam todo DNA mitocondrial. Depois os pesquisadores testaram o quão agressivas essas células ainda eram. Para isso, eles injetaram as células tratadas em camundongos. Sem o DNA mitocondrial, as células geraram tumores de modo muito mais lento do que as células não tratadas, indicando que o DNA mitocondrial é importante para o crescimento do câncer. Mas a pergunta que ficou foi: por que o tumor voltou a crescer depois de um tempo?
Os cientistas coletaram os tumores que cresceram e viram que eles tinham DNA mitocondrial. Mas como? A análise do DNA mostrou que ele era igual ao presente nas células saudáveis do camundongo, ou seja, de alguma forma, a célula tumoral conseguiu absorver DNA mitocondrial (ou a mitocôndria inteira) do tecido a sua volta.
Essas novas células eram capazes de produzir RNAs e proteínas mitocondriais funcionais e tinham mitocôndrias capazes de transformar energia através da respiração como as células normais. Assim, o tumor conseguiu voltar a crescer.
Esses resultados mostram que, talvez, atacar as mitocôndrias dos tumores não seja tão interessante, já que eles poderiam obter novas mitocôndrias do tecido saudável do paciente. Mas eles também trazem esperança para o tratamento de outras doenças, causadas por problemas mitocondriais. Mitocôndrias defeituosas podem gerar, entre outras coisas, problemas musculares e neurológicos, e diabetes. E não existem tratamentos eficazes para essas doenças. Sabendo que as células tumorais (e por que não outras células?) podem pegar novas mitocôndrias, poderá ser possível no futuro, transferir mitocôndrias saudáveis para células com estruturas defeituosas, visando substituí-las. Isso poderá corrigir os problemas e tratar os pacientes.
Referência
TAN, A. S. et al. Mitochondrial Genome Acquisition Restores Respiratory Function and Tumorigenic Potential of Cancer Cells without Mitochondrial DNA. Cell Metabolism, v. 21, n. 1, p. 81–94, 2015.
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