Pular para o conteúdo principal

Novas terapias vão ajudar o próprio corpo a combater o câncer



O nosso sistema imune é preparado para combater invasores e corpos estranhos no nosso corpo, como vírus, bactérias e fungos, usando células especializadas e uma grande variedade de proteínas, como anticorpos e enzimas. O câncer, um aglomerado de células que se multiplica sem controle, é, de certa forma, um corpo estranho. Por que então nosso sistema imune não impede o crescimento e destrói os tumores? Bem, na verdade, ele faz isso sim. Mas o problema está em dois pontos. Primeiro, as células cancerosas, embora diferentes, ainda são bem parecidas com as células normais, o que “confunde” o sistema imune. Segundo, os tumores são capazes de reduzir a atividade das células de defesa do corpo para se proteger. Porém, novas terapias buscam agir nesses pontos, ajudando o próprio corpo a combater o câncer. Assim, uma série de cinco pesquisas foi publicada em sequência na revista Nature no ano passado, mostrando novos resultados nessa área.

Dois dos artigos investigaram o primeiro ponto: o que pode ser diferente entre células normais e cancerosas para o sistema imune? Usando uma mistura de técnicas de análise em computador e identificação de proteínas, os cientistas identificaram algumas poucas proteínas que estão normalmente alteradas em tumores (quando comparadas a células normais) e que poderiam ser usadas pelo sistema imune do corpo para identifica-los. Os pesquisadores então usaram essas proteínas como uma “vacina” em camundongos: os animais foram tratados com essas proteínas e criaram anticorpos contra elas. Depois eles foram injetados com células tumorais para verificar se ganharam alguma proteção. E, de fato, a “vacina” foi capaz de bloquear ou atrasar o crescimento de tumores nos camundongos. Esses resultados indicam que o sistema imune pode ser estimulado a identificar e atacar células cancerosas. E com o avanço de técnicas modernas que permitem a identificação de proteínas dos tumores de cada paciente individualmente, será possível criar uma “vacina” específica para cada pessoa em um futuro próximo.

 Os três artigos restantes tratam do segundo ponto: como evitar que o tumor iniba a ação do sistema imune? Já se sabia que as células tumorais podem ter uma proteína na sua superfície que bloqueia a atividade das células imunes. Então, foi desenvolvido um anticorpo específico, capaz de se ligar a essa proteína, impedindo assim que ela interaja com as células do sistema imune e diminua a atividade delas. Esse anticorpo foi testado em pacientes com diferentes tipos de câncer, em testes clínicos de fase 1. O tratamento se mostrou bastante eficaz em uma parte dos pacientes (21 %) com diferentes tipos da doença, incluindo câncer de bexiga, pulmão, cólon e reto, cabeça e pescoço, rim, pele, estômago e pâncreas. Além disso, os pacientes relataram efeitos colaterais brandos, mostrando que o tratamento com os anticorpos são bem menos tóxicos que as quimioterapias tradicionais.

Os cientistas também investigaram porque o tratamento funcionou em apenas alguns pacientes, embora tenham agido de forma similar independente do tipo de câncer. Os pesquisadores analisaram biópsias dos pacientes antes e depois do tratamento e descobriram que, para o tratamento com o novo anticorpo funcionar, é necessária a presença de um tipo específico de célula imune na região do tumor. Esse resultado é importante porque vai permitir aos médicos saber se o paciente tem chances ou não de responder aos diferentes tratamentos e, assim, escolher a melhor forma de combater o câncer. 

Uma cura universal para o câncer ainda é uma utopia, mas essas novas formas de terapia se mostraram eficientes para diversos tipos de tumor e pode vir a se tornarem as primeiras escolhas de tratamento em breve.

Referências

GUBIN, M. M. et al. Checkpoint blockade cancer immunotherapy targets tumour-specific mutant antigens. Nature, v. 525, n. 7528, p. 577–581, 2014. 

HERBST, R. S. et al. Predictive correlates of response to the anti-PD-L1 antibody MPDL3280A in cancer patients. Nature, v. 515, n. 7528, p. 563–567, 2014. 

POWLES, T. et al. MPDL3280A (anti-PD-L1) treatment leads to clinical activity in metastatic bladder cancer. Nature, v. 515, n. 7528, p. 558–562, 2014.

TUMEH, P. C. et al. PD-1 blockade induces responses by inhibiting adaptive immune resistance. Nature, v. 515, n. 7528, p. 568–571, 2014.

WOLCHOK, J.; CHAN, T. Cancer: Antitumour immunity gets a boost. Nature, v. 515, n. 7528, p. 496–498, 2014.

YADAV, M. et al. Predicting immunogenic tumour mutations by combining mass spectrometry and exome sequencing. Nature, v. 515, n. 7528, p. 572–576, 2014.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Não, suco de melão São Caetano não é a cura do câncer

Recebi pelo Facebook um link para uma postagem do blogue Cura pela Natureza . Lá é descrito o poder de uma planta medicinal capaz de curar o câncer, controlar o diabetes e, de quebra, fortalecer a imunidade do corpo. Sinistro, né? A planta em questão é chamada de melão São Caetano ou melão amargo. Conhecida cientificamente como Momordica charantia , essa planta faz parte da família Cucurbitaceae, junto com outras plantas famosas, como a abóbora, o pepino e a melancia. Ela cresce bem nas áreas tropicais e subtropicais da África, Ásia e Austrália, e foi trazida ao Brasil pelos escravos. O texto cita o Dr. Frank Shallenberger, dos Estados Unidos, que seria o descobridor dos efeitos medicinais da planta. Fui então atrás das pesquisas publicadas pelo Dr. Shallenberger para saber mais sobre os poderes do melão São Caetano. E descobri que ele nunca publicou nenhum trabalho científico sobre a planta (na verdade, ele nunca publicou qualquer coisa!). Como que a

Não, a fosfoamina não é (ainda) a cura do câncer

Em agosto desse ano, uma reportagem do portal G1 mostrou a luta de pacientes com câncer na justiça para receber cápsulas contendo o composto fosfoamina (na verdade, fosfoetanolamina) que supostamente curaria a doença. O “remédio” era produzido e distribuído pelo campus da Universidade de São Paulo na cidade de São Carlos, mas a distribuição foi suspensa por decisão da própria reitoria, já que o composto não é registrado na ANVISA (todo remédio comercializado no país deve ser registrado) e não teve eficiência comprovada. Porém, alguns dos pacientes tratados com a fosfoamina relatam que foram curados e trazem exames e outras coisas para provar. Segundo o professor aposentado Gilberto O. Chierice (que participou dos estudos com a substância), “A fosfoamina está aí, à disposição, para quem quiser curar câncer”. Mas, vamos devagar, professor Gilberto; se a fosfoamina realmente é a cura para o câncer, por que não foi pedido o registro na ANVISA? O Governo Federal poderia produzir gran

Dr. José Roberto Kater e o ovo: vilões ou mocinhos?

Ontem, eu recebi pelo Facebook um vídeo de uma entrevista com o Dr. José Roberto Kater onde ele comenta sobre os benefícios do ovo na alimentação. Porém, algumas coisas me soaram um pouco, digamos, curiosas (na verdade, em pouco mais de três minutos de vídeo poucas coisas pareceram normais (o vídeo completo está disponível no fim do texto)). O Dr. Kater é, segundo a Internet, médico, obstetra, nutrólogo, antroposófico (a medicina antroposófica é um ramo alternativo com base em noções ocultas e espirituais), homeopata, acupunturista e com mais algumas outras especialidades. Porém, não é cientista, já que não tem currículo cadastrado na Plataforma Lattes (do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento, CNPq) ou assina qualquer artigo científico indexado em banco de dados internacional. Para mim, o cara pode dizer que é o Papa, eu não vou acreditar nele de primeira. As informações científicas estão disponíveis e eu fui pesquisar para entender se o Dr. Kater é um visionário ou ch