Pular para o conteúdo principal

Luz engorda?


--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Mas antes uma palavra dos nossos patrocinadores: essa postagem faz parte de uma blogagem coletiva, organizada pelo Roberto Takata do Gene Repórter, devido a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia de 2015, cujo tema é “Luz, Ciência e Vida”. Abaixo segue a lista com todos os canais de divulgação científica que estão participando:

Ciência Ao Natural

Biorritmo

A Bela Ciência

Ceticismo, Ciência e Tecnologia

4x15

Evolution Academy

Coluna Ciência

Metodologia Científica e Tecnologia

Do Nano ao Macro

Cultura Científica

Física na Veia!

Rainha Vermelha

Rascunhos Científicos Beta Final

Curiozoo

A Liga dos Cientistas Extra Ordinários

Dinobótico

Pesquisa em Biomedicina

Poluição Luminosa

Nightfall in Magrathea

Gênero e Ciências

Blog Cético

Psiquiatria e Sociedade

Blog Divulga Ciência

Um A+ de BioCiências

Dragões de Garagem

DNA Cético

Rock com Ciência

Vida das Aves

#SciCast

Evolucionismo

Vi(ver) n_a CIdade

Sonhos do Neuro

Genética Agronômica

Café Na Bancada

PET Ciências

Astronomia no Zênite

Sofia Moutinho

RSG-Brazil
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------


Algumas pessoas clamam que podem viver apenas de luz, sem comer qualquer coisa. Isso é bioquimicamente impossível! Nós, seres humanos, não temos pigmentos capazes de absorver a energia do Sol de modo que ela seja quimicamente utilizável, como a clorofila da folha das plantas. E mesmo que nós fôssemos verdes e conseguíssemos usar a luz do Sol, muitas vitaminas, aminoácidos e gorduras são essenciais para nós. Isso quer dizer que nosso corpo não consegue produzir e nós precisamos comer alimentos que contenham essas substâncias para continuarmos saudáveis (e vivos).


Dito isso, posso fazer uma suposição que parece tão absurda quanto a do parágrafo acima: é possível que a luz engorde! Pelo menos luz na hora errada. Essa foi uma hipótese levantada por pesquisadores americanos no ano passado (FONKEN; NELSON, 2014).


Existe uma correlação bem interessante entre o nível de obesidade de uma população e o nível de poluição luminosa (que é o quanto de luz artificial é usada à noite) do lugar onde ela vive. Porém, como eu gosto de reforçar, uma correlação não necessariamente indica uma relação de causa e efeito, ou seja, luz e obesidade podem estar juntas por acaso, ou a luz pode vir junto com outro fator que é a causa real. O que seria a explicação mais provável se pensarmos que junto com a energia elétrica que alimenta as luzes, temos geladeiras e supermercados, e lanchonetes de fast-food vendendo comidas ricas em gordura e pobres em nutrientes. Então? Será que existe mesmo uma relação entre luz e obesidade?

O nosso organismo é regulado por diversos fatores, entre eles, pelo chamado relógio biológico, ou ritmo circadiano. (Todo mundo vai estar falando dele essa semana, já que o horário de verão acabou de começar.) Quem dá corda no relógio biológico é a luz; ela é sentida pelos olhos e transmitida para um grupo de neurônios no cérebro. Esses neurônios então mantêm o relógio funcionando e passam a informação de “que horas são” para o resto do corpo. O relógio biológico regula várias funções no corpo, como a produção de hormônios, ciclo de sono e metabolismo. Mesmo na escuridão completa, nosso relógio pode se manter sincronizado (sem adiantar ou atrasar) por vários dias. O problema pode começar quando a poluição luminosa nas cidades é tão grande que o relógio biológico está sempre “recebendo corda”, sendo estimulado pela luz durante dia e noite. Mas existe algum resultado científico que mostre a influência da luz continua sobre o relógio biológico e metabolismo do corpo? Existem muitos, tanto em animais de laboratório quando em seres humanos.

Se camundongos forem mantidos sob luz fraca, mas constante, durante a noite, eles ganham peso, principalmente em gordura, além de terem maior tendência a desenvolver diabetes (COOMANS et al., 2013). Porém, esses efeitos podem ser, pelo menos em parte, revertidos se os animais forem colocados novamente no escuro durante a noite (FONKEN; WEIL; NELSON, 2013).

Em humanos, dados de epidemiologia mostram que pessoas que trabalham em turnos (e logo trabalham a noite algumas vezes por semana) têm maiores chances de desenvolverem Síndrome Metabólica, quadro clínico que pode associar obesidade, pressão alta, diabetes, colesterol alto e entupimento de vasos sanguíneos (PIETROIUSTI et al., 2010). Além disso, nesses trabalhadores, o índice de massa corporal (relação entre o peso e a altura, que é usada para estimar o quão gordo um indivíduo está, abreviado IMC) mostra uma grande correlação com há quantos anos a pessoa trabalha em turno (PARKES, 2002). Nas pessoas que só trabalham durante o dia, o IMC se correlaciona principalmente com a idade da pessoa. Mais ainda: idosos que dormem sob uma luz fraca têm maior peso e IMC, barriga maior, e maiores níveis de triglicerídeos e colesterol no sangue (OBAYASHI et al., 2013).

Os pesquisadores acreditam que a poluição luminosa durante a noite desregula o relógio biológico e os níveis de hormônios que controlam parte do metabolismo (SCHEER et al., 2009). Por exemplo, os níveis de melatonina, um hormônio relacionado ao ciclo do sono, são diminuídos pelo estímulo da luz (BRAINARD; ROLLAG; HANIFIN, 1997). E a melatonina ajuda a reduzir o peso, os níveis de açúcar no sangue e os riscos de diabetes em ratos gordos (AGIL et al., 2012). Outro hormônio afetado pela luz é o cortisol; mas nesse caso a luz aumenta a quantidade dele (SCHEER; BUIJS, 1999). E níveis altos de cortisol estão relacionados à obesidade em diversos quadros clínicos (ROSMOND; DALLMAN; BJÖRNTORP, 1998).

Ou seja, se você está fazendo aquela dieta esperta para o projeto verão, pode ser uma boa ideia desligar a televisão e o computador do quarto na hora de dormir.

Referências


AGIL, A. et al. Melatonin improves glucose homeostasis in young Zucker diabetic fatty rats. Journal of pineal research, v. 52, n. 2, p. 203–210, 2012.

BRAINARD, G. C.; ROLLAG, M. D.; HANIFIN, J. P. Photic regulation of melatonin in humans: ocular and neural signal transduction. Journal of Biological Rhythms, v. 12, n. 6, p. 537–546, 1997.

COOMANS, C. P. et al. Detrimental effects of constant light exposure and high-fat diet on circadian energy metabolism and insulin sensitivity. The FASEB Journal, v. 27, n. 4, p. 1721–1732, 2013.

FONKEN, L. K.; NELSON, R. J. The effects of light at night on circadian clocks and metabolism. Endocrine Reviews, v. 35, n. 4, p. 648–670, 2014.

FONKEN, L. K.; WEIL, Z. M.; NELSON, R. J. Dark nights reverse metabolic disruption caused by dim light at night. Obesity, v. 21, n. 6, p. 1159–1164, 2013.

OBAYASHI, K. et al. Exposure to light at night, nocturnal urinary melatonin excretion, and obesity/dyslipidemia in the elderly: a cross-sectional analysis of the HEIJO-KYO study. Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism, v. 98, n. 1, p. 337–344, 2013.

PARKES, K. R. Shift work and age as interactive predictors of body mass index among offshore workers. Scandinavian Journal of Work, Environment and Health, v. 28, n. 1, p. 64–71, 2002.

PIETROIUSTI, A et al. Incidence of metabolic syndrome among night-shift healthcare workers. Occupational and environmental medicine, v. 67, n. 1, p. 54–57, 2010.

ROSMOND, R.; DALLMAN, M. F.; BJÖRNTORP, P. Stress-related cortisol secretion in men: Relationships with abdominal obesity and endocrine, metabolic and hemodynamic abnormalities. Journal of Clinical Endocrinology and Metabolism, v. 83, n. 6, p. 1853–1859, 1998.

SCHEER, F. A J. L. et al. Adverse metabolic and cardiovascular consequences of circadian misalignment. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, v. 106, n. 11, p. 4453–4458, 2009.

SCHEER, F. A.; BUIJS, R. M. Light affects morning salivary cortisol in humans. Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism, v. 84, n. 9, p. 3395–3398, 1999.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Não, suco de melão São Caetano não é a cura do câncer

Recebi pelo Facebook um link para uma postagem do blogue Cura pela Natureza . Lá é descrito o poder de uma planta medicinal capaz de curar o câncer, controlar o diabetes e, de quebra, fortalecer a imunidade do corpo. Sinistro, né? A planta em questão é chamada de melão São Caetano ou melão amargo. Conhecida cientificamente como Momordica charantia , essa planta faz parte da família Cucurbitaceae, junto com outras plantas famosas, como a abóbora, o pepino e a melancia. Ela cresce bem nas áreas tropicais e subtropicais da África, Ásia e Austrália, e foi trazida ao Brasil pelos escravos. O texto cita o Dr. Frank Shallenberger, dos Estados Unidos, que seria o descobridor dos efeitos medicinais da planta. Fui então atrás das pesquisas publicadas pelo Dr. Shallenberger para saber mais sobre os poderes do melão São Caetano. E descobri que ele nunca publicou nenhum trabalho científico sobre a planta (na verdade, ele nunca publicou qualquer coisa!). Como que a

Não, a fosfoamina não é (ainda) a cura do câncer

Em agosto desse ano, uma reportagem do portal G1 mostrou a luta de pacientes com câncer na justiça para receber cápsulas contendo o composto fosfoamina (na verdade, fosfoetanolamina) que supostamente curaria a doença. O “remédio” era produzido e distribuído pelo campus da Universidade de São Paulo na cidade de São Carlos, mas a distribuição foi suspensa por decisão da própria reitoria, já que o composto não é registrado na ANVISA (todo remédio comercializado no país deve ser registrado) e não teve eficiência comprovada. Porém, alguns dos pacientes tratados com a fosfoamina relatam que foram curados e trazem exames e outras coisas para provar. Segundo o professor aposentado Gilberto O. Chierice (que participou dos estudos com a substância), “A fosfoamina está aí, à disposição, para quem quiser curar câncer”. Mas, vamos devagar, professor Gilberto; se a fosfoamina realmente é a cura para o câncer, por que não foi pedido o registro na ANVISA? O Governo Federal poderia produzir gran

Dr. José Roberto Kater e o ovo: vilões ou mocinhos?

Ontem, eu recebi pelo Facebook um vídeo de uma entrevista com o Dr. José Roberto Kater onde ele comenta sobre os benefícios do ovo na alimentação. Porém, algumas coisas me soaram um pouco, digamos, curiosas (na verdade, em pouco mais de três minutos de vídeo poucas coisas pareceram normais (o vídeo completo está disponível no fim do texto)). O Dr. Kater é, segundo a Internet, médico, obstetra, nutrólogo, antroposófico (a medicina antroposófica é um ramo alternativo com base em noções ocultas e espirituais), homeopata, acupunturista e com mais algumas outras especialidades. Porém, não é cientista, já que não tem currículo cadastrado na Plataforma Lattes (do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento, CNPq) ou assina qualquer artigo científico indexado em banco de dados internacional. Para mim, o cara pode dizer que é o Papa, eu não vou acreditar nele de primeira. As informações científicas estão disponíveis e eu fui pesquisar para entender se o Dr. Kater é um visionário ou ch