Pular para o conteúdo principal

[Blogue do João] O lugar dos remédios

É quase impossível não ter uma caixinha de remédios, seja para dor de cabeça ou para cólica, dentro de casa. Em algumas casas, é possível notar até uma caixa cheia de medicamentos para infinitas doenças.

A produção industrial de novos medicamentos – moléculas biologicamente ativas incorporadas em produtos – tornou possível que qualquer cidadão pudesse tomar o remédio na hora que quisesse para combater uma dor de cabeça ou algo mais sério, como uma infecção.

O uso recorrente de medicamentos para tratar as doenças fez com que um lugar na casa de cada um fosse destinado aos remédios! Atire a primeira pedra quem nunca viu uma caixinha cheia de remédios dentro da casa de algum parente ou da própria!

A pergunta é: o lugar em que se guarda os medicamentos é o correto?

Pode parecer bastante besteira, afinal, que diferença faria guardar o medicamento na cozinha ou no banheiro se o que importa é toma-lo todo dia às 8h da manhã, por exemplo?

Por incrível que pareça, a diferença é total.

Os medicamentos são formulados e pensados não somente no efeito do composto, mas em como vão ser incorporados em cremes, pastas, comprimidos, drágeas, xaropes, soluções, cápsulas, ou melhor, em formas farmacêuticas.

Todo remédio possui uma validade que é determinada justamente por fatores ambientais que podem, de alguma maneira, interferir na composição do produto. Por exemplo, imagine que você guarde seus documentos – sem estarem plastificados – ao lado da janela. Com o tempo é bem possível que eles acabem molhados por conta da chuva ou ressecados por conta do sol, certo? O mesmo acontece para os medicamentos.

Alguns remédios, por vários fatores, são sensíveis, ou seja, degradam-se; decompõe-se com muita facilidade. Alguns desses fatores são:

Temperatura: os medicamentos termosenssíveis, ou termolábeis, são aqueles que se degradam facilmente frente a variação de temperatura. Em altas ou baixas temperaturas o remédio pode perder o seu efeito.


Luz: os medicamentos fotossensíveis (foto significa luz em grego) são aqueles que perdem estabilidade quando postos sob luz. Grande parte desses medicamentos são comercializados em frascos âmbar ou envoltos de papel alumínio.

Umidade: esses remédios se decompõem quando absorvem água do ar que está em estado gasoso. O mais perigoso é que ao absorver água, o ambiente microscópio fica perfeito para a reprodução de micro-organismos! Imagina isso em uma solução de antibiótico que é feita justamente para combater as bactérias?

Tudo bem, tudo bem. Até agora nós vimos que existem alguns fatores climáticos que podem estragar os medicamentos. Mas no que isso interfere?

Quando um remédio é produzido, além dos testes de efeitos da substância, também é realizado testes de armazenagem. Esses testes determinam a validade. Então, quando você compra um remédio na drogaria ou na farmácia de manipulação, você está comprando um produto com validade determinada quando armazenado corretamente. Isso significa que ao armazenar errado a validade irá diminuir e o medicamento pode perder a sua eficácia mais cedo!

Pronto, tudo bem, agora deu pra entender o motivo de ter que armazenar corretamente. Agora vamos pensar nos locais que possivelmente guardamos os remédios.

Cozinha: de longe um dos piores lugares para se guardar o medicamento. Como vimos anteriormente, existe alguns remédios que são termosenssíveis e na cozinha é o lugar da casa em que mais há variação de temperatura por conta do fogão e do forno! Além disso, o micro-ondas funciona a base de ondas eletromagnéticas. Caso os medicamentos sejam postos ao lado do micro-ondas, pode ser que essas ondas também interfiram na estabilidade.

Banheiro: esse também é outro péssimo local para se armazenar remédios. Dentro do banheiro nós realizamos nossas necessidades fisiológicas e infestamos o banheiro de micro-organismos. Além disso, por conta do chuveiro, a umidade do ar é bem alta em relação a casa. Isso significa que ao guardar remédios no banheiro, você está contaminando o remédio não só de bactérias e umidade na superfície da embalagem, mas no conteúdo também.

Quarto: esse talvez seja o lugar mais seguro dentro de casa para guardar os remédios. Os dois únicos problemas podem ser bem resolvidos dentro do quarto: temperatura e luz. Para ambos basta guardar o medicamento dentro de alguma gaveta. Isso impede não só que a luz entre em contato com os remédios como também os protege do ar condicionado que pode de alguma maneira influenciar na estabilidade.

Sendo assim, agora você já tem o conhecimento básico não só sobre os fatores que influenciam na estabilidade dos remédios, mas dos lugares em que é possível guarda-los. É muito importante lembrar que não só os medicamentos, como os cosméticos – em especial os produtos de higiene básica como pasta de dente e desodorante e perfume – devem estar sob o mesmo cuidado! Pode parecer estranho não guardar a pasta de dente livremente dentro do banheiro, mas após ler essa matéria você já tem noção do que pode acontecer.

Bibliografia

SILVA, K.E.R.; ALVES, L.D.S.; SOARES, M.F.R.; PASSOS, R.C.S.; FARIA, A.R.; ROLIM NETO, P.J. Modelos de avaliação da estabilidade de fármacos e medicamentos para a indústria farmacêutica. Rev Ciênc Farm Básica Apl. v.30, n.2, p.1-8, 2009.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Não, suco de melão São Caetano não é a cura do câncer

Recebi pelo Facebook um link para uma postagem do blogue Cura pela Natureza . Lá é descrito o poder de uma planta medicinal capaz de curar o câncer, controlar o diabetes e, de quebra, fortalecer a imunidade do corpo. Sinistro, né? A planta em questão é chamada de melão São Caetano ou melão amargo. Conhecida cientificamente como Momordica charantia , essa planta faz parte da família Cucurbitaceae, junto com outras plantas famosas, como a abóbora, o pepino e a melancia. Ela cresce bem nas áreas tropicais e subtropicais da África, Ásia e Austrália, e foi trazida ao Brasil pelos escravos. O texto cita o Dr. Frank Shallenberger, dos Estados Unidos, que seria o descobridor dos efeitos medicinais da planta. Fui então atrás das pesquisas publicadas pelo Dr. Shallenberger para saber mais sobre os poderes do melão São Caetano. E descobri que ele nunca publicou nenhum trabalho científico sobre a planta (na verdade, ele nunca publicou qualquer coisa!). Como que a

Não, a fosfoamina não é (ainda) a cura do câncer

Em agosto desse ano, uma reportagem do portal G1 mostrou a luta de pacientes com câncer na justiça para receber cápsulas contendo o composto fosfoamina (na verdade, fosfoetanolamina) que supostamente curaria a doença. O “remédio” era produzido e distribuído pelo campus da Universidade de São Paulo na cidade de São Carlos, mas a distribuição foi suspensa por decisão da própria reitoria, já que o composto não é registrado na ANVISA (todo remédio comercializado no país deve ser registrado) e não teve eficiência comprovada. Porém, alguns dos pacientes tratados com a fosfoamina relatam que foram curados e trazem exames e outras coisas para provar. Segundo o professor aposentado Gilberto O. Chierice (que participou dos estudos com a substância), “A fosfoamina está aí, à disposição, para quem quiser curar câncer”. Mas, vamos devagar, professor Gilberto; se a fosfoamina realmente é a cura para o câncer, por que não foi pedido o registro na ANVISA? O Governo Federal poderia produzir gran

Dr. José Roberto Kater e o ovo: vilões ou mocinhos?

Ontem, eu recebi pelo Facebook um vídeo de uma entrevista com o Dr. José Roberto Kater onde ele comenta sobre os benefícios do ovo na alimentação. Porém, algumas coisas me soaram um pouco, digamos, curiosas (na verdade, em pouco mais de três minutos de vídeo poucas coisas pareceram normais (o vídeo completo está disponível no fim do texto)). O Dr. Kater é, segundo a Internet, médico, obstetra, nutrólogo, antroposófico (a medicina antroposófica é um ramo alternativo com base em noções ocultas e espirituais), homeopata, acupunturista e com mais algumas outras especialidades. Porém, não é cientista, já que não tem currículo cadastrado na Plataforma Lattes (do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento, CNPq) ou assina qualquer artigo científico indexado em banco de dados internacional. Para mim, o cara pode dizer que é o Papa, eu não vou acreditar nele de primeira. As informações científicas estão disponíveis e eu fui pesquisar para entender se o Dr. Kater é um visionário ou ch