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[Blogue da Paula] Qual a relação da Seleção Natural com a intolerância à lactose?


Você sabia que a lactose, o principal açúcar do leite, pode ser um pesadelo para quem é intolerante? E mais, que as pessoas desenvolvem essa intolerância com o passar do tempo? Hoje, o Blog do Paula vai clarear mais as suas ideias quanto a esse distúrbio digestivo. 

A intolerância à lactose é uma condição na qual a pessoa não é capaz de metabolizar esse açúcar presente no leite, podendo gerar sintomas desconfortáveis, como dores de barriga, gases e outros desconfortos gastrointestinais.

Imagine uma pessoa que sempre consumiu leite normalmente, mas de repente começou a observar que após ingerir essa bebida ou de alimentos derivados dela, como manteiga, queijos ou iogurtes, passou a sentir uma indigestão desagradável, apresentando sintomas como os citados anteriormente. Com esse cenário, é possível imaginar que essa pessoa sofra de intolerância à lactose. E acredite, essa situação é tão comum que, segundo a pesquisa do Instituto Datafolha, é uma condição presente em 7 de cada 10 brasileiros.

Essa intolerância está diretamente associada à diminuição dos níveis da lactase, enzima que degrada a lactose no intestino. 

A importância da lactose

A lactose é produzida por todos os mamíferos quando os níveis de prolactina, hormônio que estimula o desenvolvimento das mamas e a produção de leite, aumenta no organismo. E o principal momento em que ela é produzida é após o parto, quando o estímulo da prolactina é o máximo nas mamas.

O leite humano contém aproximadamente 70 gramas de lactose para cada 1 litro de leite. Essa composição é fundamental para os recém-nascidos que necessitam de muita energia para crescer e produzir moléculas que vão ajudá-los a desenvolver suas células e seu sistema imune.

Quando ingerida, a enzima lactase, quebra a lactose em dois carboidratos simples, a glicose (substância 1) e galactose (substância 2), conforme a imagem a seguir:



A digestão completa de lactose é tão importante para os recém-nascidos, que se, por questões genéticas, eles não produzem lactase, acabam tendo sérios problemas de desenvolvimento caso essa condição não seja descoberta e tratada a tempo. Além disso, a sua importância está diretamente relacionada ao processo do desmame dos bebês, pois um dos estímulos para eles desmamarem é justamente à diminuição dos níveis de lactose presentes no leite materno e, consequentemente, à diminuição de lactase nos intestinos dos bebês.

A intolerância à lactose está muito mais relacionada com o quanto de lactase o seu corpo se adaptou a produzir depois que você foi um recém-nascido do que com a quantidade de leite que você toma diariamente.

Mas por que algumas pessoas têm intolerância à lactose e outras não?

Na segunda metade do século XX, pesquisadores descobriram que a quantidade de lactase produzida na vida adulta é dependente de genética, mas também foi descoberto que o gene que codifica a lactase possui variantes pelo mundo. Essas pequenas mudanças genéticas controlam a quantidade de lactase que a pessoa produz. A maioria dos seres humanos têm uma redução dos níveis de lactase depois que param de mamar, mas cerca de 25 a 30 % da população mundial possui variantes genéticas que mantém os genes da lactase funcionando pela vida toda. Essas pessoas são chamadas de lactases persistentes, definidos como quem mantém os níveis de lactase iguais ou bem próximos de quando eram recém-nascidos.

A resistência à intolerância

Existem duas hipóteses que podem ser aceitas para explicar o motivo de determinadas pessoas não serem intolerantes.

A primeira hipótese está relacionada com a Teoria da Seleção Natural de Charles Darwin, ou chamada de coevolução dos genes e da cultura, que, segundo ele, os organismos mais bem adaptados ao meio têm maiores chances de sobrevivência do que os menos adaptados. Durante a transição do período paleolítico do neolítico, o ser humano começou a praticar a pecuária e a criar gado e, consequentemente, com essa criação, o consumo de leite foi se tornando algo bem comum. As populações que tinham uma forte cultura de criação de gado acabaram selecionando indivíduos que possuíam resistência à lactose. Assim, o gene que permitia a produção de lactase suficiente para a digestão de lactose na vida adulta foi sendo selecionado há milhares de anos. As populações da Nova Zelândia, por exemplo, ainda possuem os genes da resistência à lactose praticamente intactos.

E a segunda hipótese, que também é aceita por alguns cientistas, é chamada de assimilação de cálcio. Nos países nórdicos, que possuem baixa incidência de raios solares, é comum ver deficiência de vitamina D (produzida pela pele exposta ao sol) nessas populações. Essa vitamina é importante para a absorção do cálcio no intestino, só que na sua ausência foi descoberto que a lactose aumenta a absorção de cálcio, o que teria, ao longo de milhares de anos, selecionado indivíduos que são lactases persistentes e que conseguem ingerir alimentos derivados do leite sem nenhuma consequência.

É importante frisar que nem todas as pessoas que são intolerantes à lactose vão apresentar sintomas de má digestão. No caso da população brasileira, a maioria das pessoas tolera sem maiores problemas um copo de leite contendo em média 12,5 g de lactose. Quando a quantidade de lactose ingerida em iogurtes, queijos ou outros derivados do leite, supera o limiar da enzima lactase que aquela pessoa é capaz de digerir, ocorre um desequilíbrio osmótico, que acontece quando a lactose passa rapidamente pelo intestino sem ser digerida e chega no intestino grosso. Além disso, ao entrar no intestino, a lactose favorece a ação de bactérias já presentes, produzindo muitos gases. Todo esse processo interfere no funcionamento do intestino, podendo gerar inflamação local e dores de barriga.

Para concluir, podemos afirmar que a relação da Seleção Natural de Darwin com a intolerância à lactose é um caso específico em que a nutrição de determinada região resultaria em uma vantagem aos adultos que são capazes de digerir lactose, sendo selecionados como melhores adaptados e, consequentemente, deixando mais descendentes vivos, aumentando a frequência do gene nas futuras gerações.

Referências:



Essa postagem foi editada por Gustavo Martins.

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