Pular para o conteúdo principal

Anticorpos desenvolvidos em laboratório como novo tratamento para a AIDS


As vacinas treinam o nosso sistema imune (nosso sistema de defesa do corpo) para lutar contra uma futura infecção. Elas contêm alguma parte do organismo que causa a doença; pode ser uma proteína apenas, ou o organismo inteiro morto, ou ainda o organismo atenuado (ou seja, vivo, mas incapaz de causar uma infecção). O que nosso sistema imune faz é pegar esse componente da vacina e gerar um anticorpo. Um anticorpo é uma proteína produzida pelo sistema imune, capaz de se ligar de modo específico e mesmo em baixa quantidade em alguma molécula externa do organismo invasor. A ligação do anticorpo funciona como uma marcação, indicando para as células e mecanismo de defesa do corpo quem são os inimigos que devem ser destruídos. O mesmo processo funciona quando ficamos doentes; o sistema imune produz anticorpos contra o organismo invasor como forma de ajudar a combater a doença. Mas se é simples assim, por que nosso corpo não consegue combater o vírus da AIDS ou por que ainda não conseguimos criar uma vacina eficaz contra o HIV? Porque o vírus também tem as suas armas.

Primeiro, o HIV tem uma alta taxa de mutação. Assim, o vírus muda pontos das suas proteínas externas e os anticorpos produzidos pelo corpo perdem a sua capacidade de ligação. Além disso, o HIV tem apenas dois tipos de proteínas externas que podem servir de alvo para os anticorpos, e a quantidade delas que o vírus mantém exposta é baixa. A mobilidade dessas proteínas também é pequena. Isso faz com que os anticorpos gerados pelo corpo se liguem apenas em uma proteína, em um único ponto. E isso deixa a capacidade de ligação do anticorpo muito sensível às mutações do vírus. Essas características em conjunto fazem o HIV um vírus difícil de ser combatido.

Sabendo disso, pesquisadores americanos usaram engenharia de proteínas para construir anticorpos em laboratório que fossem capazes de se ligar em dois pontos diferentes da mesma proteína. A ideia por trás é que com dois pontos de ligação, fica mais difícil do vírus escapar através de mutações. E sendo na mesma proteína evita o problema da pouca quantidade de alvo na superfície do vírus.

Os cientistas construíram diversos anticorpos variando a distância entre os pontos de ligação com a proteína alvo, até chegar ao tamanho ideal. Com essa estratégia, eles conseguiram aumentar em mais de 100 vezes a capacidade dos anticorpos em bloquear a atividade do HIV. Os pesquisadores sugeriram que esses anticorpos podem ser melhorados e desenvolvidos para funcionar como uma nova forma de tratamento contra a AIDS, junto com o coquetel de drogas já existente.

Referência
 
GALIMIDI, R. P. et al. Intra-Spike Crosslinking Overcomes Antibody Evasion by HIV-1. Cell, v. 160, n. 3, p. 433–446, 2015.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Não, a fosfoamina não é (ainda) a cura do câncer

Em agosto desse ano, uma reportagem do portal G1 mostrou a luta de pacientes com câncer na justiça para receber cápsulas contendo o composto fosfoamina (na verdade, fosfoetanolamina) que supostamente curaria a doença. O “remédio” era produzido e distribuído pelo campus da Universidade de São Paulo na cidade de São Carlos, mas a distribuição foi suspensa por decisão da própria reitoria, já que o composto não é registrado na ANVISA (todo remédio comercializado no país deve ser registrado) e não teve eficiência comprovada. Porém, alguns dos pacientes tratados com a fosfoamina relatam que foram curados e trazem exames e outras coisas para provar. Segundo o professor aposentado Gilberto O. Chierice (que participou dos estudos com a substância), “A fosfoamina está aí, à disposição, para quem quiser curar câncer”. Mas, vamos devagar, professor Gilberto; se a fosfoamina realmente é a cura para o câncer, por que não foi pedido o registro na ANVISA? O Governo Federal poderia produzir gran

Não, suco de melão São Caetano não é a cura do câncer

Recebi pelo Facebook um link para uma postagem do blogue Cura pela Natureza . Lá é descrito o poder de uma planta medicinal capaz de curar o câncer, controlar o diabetes e, de quebra, fortalecer a imunidade do corpo. Sinistro, né? A planta em questão é chamada de melão São Caetano ou melão amargo. Conhecida cientificamente como Momordica charantia , essa planta faz parte da família Cucurbitaceae, junto com outras plantas famosas, como a abóbora, o pepino e a melancia. Ela cresce bem nas áreas tropicais e subtropicais da África, Ásia e Austrália, e foi trazida ao Brasil pelos escravos. O texto cita o Dr. Frank Shallenberger, dos Estados Unidos, que seria o descobridor dos efeitos medicinais da planta. Fui então atrás das pesquisas publicadas pelo Dr. Shallenberger para saber mais sobre os poderes do melão São Caetano. E descobri que ele nunca publicou nenhum trabalho científico sobre a planta (na verdade, ele nunca publicou qualquer coisa!). Como que a

Rapte-me, Camaleoa!

Recebi recentemente pelo Whatsapp um vídeo do Instagram mostrando um camaleão escalando uma série de lápis de cor diferentes. Cada vez que ele encostava a pata em um novo lápis, a cor dele mudava rapidamente, de acordo com a cor do lápis. Muito legal! Pena que não é verdade. O vídeo era originalmente de um perfil de um camaleão de estimação e o responsável alterou o vídeo digitalmente, incluindo essas mudanças de cores rápidas no bicho. Ele deixou um aviso no vídeo original, explicando que era computação gráfica e que tinha feito só para ser divertido. Mas isso não impediu outras pessoas de retirarem o aviso e divulgarem pela Internet. Fazer o quê? Mas aqui embaixo tem um vídeo mostrando como de fato um camaleão muda de cor. Reparem duas coisas: 1) o vídeo está acelerado dez vezes, ou seja, a mudança de cor é lenta; e 2) ficando mais amarelo avermelhando, a última coisa que ele está fazendo é ficar mais camuflado. Eu sempre me perguntei como o camaleão sabia que cor ele tinha que esco