Se você está chegando agora, essa é a segunda postagem de uma série de três sobre as propriedades do melão São Caetano. Para ler a primeira, clique aqui.
Começando: uma busca rápida no Google mostra vários resultados com informações sobre como o melão São Caetano pode ser usado para curar o diabetes, incluindo receitas de chás e outras coisas. Antes de investigar se a planta realmente tem efeito sobre essa doença, cabe uma rápida explicação sobre o que é o diabetes.
O diabetes é conhecido desde a Antiguidade, como uma síndrome (um conjunto de sintomas) que incluí perda de peso, excesso de xixi, e excesso de sede e de fome. O próprio nome da doença vem do latim; os médicos a chamaram de diabetes mellitus. Diabetes deriva da palavra grega para sifão ou da ação “passar através”, em uma referência a grande quantidade de urina produzida pelo paciente. Mellitus significa uma coisa doce. De fato, o xixi dos pacientes diabéticos é doce, e provar a urina dos doentes era a forma mais fácil de diagnosticar o diabetes. E por que os doentes fazer tanto xixi e um xixi doce? Porque a quantidade de açúcar no sangue é tão alta que o corpo joga o excesso fora pelos rins, que por sua vez produzem muita urina para poder diluir tanto açúcar. Como os doentes fazer muito xixi, perdem muita água, o que leva o aumento da sede.
A clínica hoje define um paciente como diabético se a concentração de glicose (o açúcar) no sangue repetidas vezes se encontrar acima de 100 mg/dL. Mas por que o açúcar no sangue fica tão alto? Isso depende do tipo de diabetes, que pode ser classificado como tipo I ou tipo II.
O diabetes do tipo I ocorre principalmente em crianças, quando o pâncreas perde ou tem a sua capacidade de fazer insulina muito diminuída. A insulina é o hormônio produzido pelas chamadas células β, que indica para diversas células que elas podem pegar açúcar do sangue, porque ele está sobrando. Na criança diabética, sem esse hormônio, as células não pegam o açúcar do sangue e ele acaba se acumulando lá. E como o corpo não consegue usar esse açúcar, ele indica para o cérebro falta de nutrientes, o que é traduzido como fome. Por isso, os pacientes diabéticos sentem fome em excesso. O tratamento hoje é simples e consiste nas injeções de insulina, produzida em laboratórios, programadas de acordo com as refeições.
Já o diabetes do tipo II atinge principalmente adultos, na grande parte das vezes obesos. Nesse caso, o problema não é a falta de insulina (na verdade, tem insulina até demais), mas sim a sensibilidade (ou a capacidade de “enxergar”) à insulina das células. Na obesidade, é comum que a capacidade do tecido adiposo (cujas células têm como função básica acumular gordura) de engordar chegue ao máximo. Com isso a gordura que “sobra” acaba se acumulando em outros órgãos, como fígado e músculos. Porém, como esses órgãos não são preparados para acumular gordura, ela acaba sendo tóxica e atrapalham o funcionamento das células. Um dos efeitos causados é a redução da capacidade das células de sentir a insulina. Assim, embora o pâncreas produza muita insulina, as células não “veem” o hormônio e não pegam o açúcar do sangue. O tratamento é mais complexo, e envolve perda de peso, exercício físico e medicamentos. Em pacientes com obesidade e diabetes avançados, a gordura pode se acumular até no pâncreas e atrapalhar a produção da insulina, fazendo com que a doença evolua para uma mistura dos tipos I e II. Nesse caso, o doente também vai precisar de doses altas de insulina.
OK, mas e o melão? Infelizmente, não há nada que prove que o consumo da planta seja capaz de combater o diabetes em humanos, embora existam diversos trabalhos com roedores. Mais de 100 trabalhos sobre o melão São Caetano em relação com o diabetes já foram publicados.
Em 2012, pesquisadores da Malásia analisaram diversos trabalhos científicos do uso da planta para tratar o diabetes em humanos e chegaram à conclusão preliminar de que o tratamento não funciona, embora eles deixem claro que são necessários mais estudos para aumentar o número de pessoas testadas e chegar a uma resposta mais clara (OOI; YASSIN; HAMID, 2012).
Em animais, os resultados mostram que o melão São Caetano pode ajudar ou não. Em 1990, cientistas do Sri-Lanka mostraram que o tratamento de ratos com diabetes do tipo I com suco do melão não ajudou na melhora dos sintomas (KARUNANAYAKE; JEEVATHAYAPARAN; TENNEKOON, 1990). Porém, outros trabalhos mostraram que o uso da planta pode ajudar a reduzir o nível de açúcar no sangue de ratos e camundongos diabéticos (ABDOLLAHI et al., 2011; RATHI; GROVER; VATS, 2002; SARKAR; PRANAVA; MARITA, 1996; SATHISHSEKAR; SUBRAMANIAN, 2005; TRIPATHI; CHANDRA, 2009). O consumo do melão São Caetano também aumentou o consumo de glicose pelo fígado (SARKAR; PRANAVA; MARITA, 1996), corrigiu a quantidade de glicogênio (uma forma de armazenar açúcar nos órgãos) nesse mesmo órgão (RATHI; GROVER; VATS, 2002), e reduziu o estresse oxidativo (SATHISHSEKAR; SUBRAMANIAN, 2005; TRIPATHI; CHANDRA, 2009) e os danos às células β, o que ajuda na produção de insulina (ABDOLLAHI et al., 2011; SATHISHSEKAR; SUBRAMANIAN, 2005).
Em ratos alimentados com uma dieta rica em gordura, que ficam obesos e desenvolvem diabetes do tipo II como a gente, o uso do extrato da planta foi capaz de aumentar a sensibilidade dos órgãos à insulina, corrigindo em parte a doença (YANG et al., 2015). Também foi mostrado que o suco do melão traz uma melhora nos danos causados pelo excesso de açúcar aos nervos, que é uma das consequências do diabetes (AHMED et al., 2004). Outro problema comum nos pacientes diabéticos é a dificuldade de cicatrização de feridas. Em 2009, pesquisadores da Malásia estudaram a aplicação do extrato do melão sobre feridas em ratos diabéticos e verificaram que ele aumentava a capacidade de cicatrização.
Em resumo, embora o melão São Caetano tenha sido estudado em animais, os testes com humanos ainda não mostraram qualquer efeito benéfico sobre o diabetes. Porém, o seu consumo é feito há muito tempo na Ásia, sem grandes efeitos colaterais. Se você quiser usar planta, pergunte ao seu médico antes e siga as instruções dele. E nunca substitua seus remédios prescritos por uma receita da Internet.
Referências
ABDOLLAHI, M. et al. Effects of Momordica charantia on pancreatic histopathological changes associated with streptozotocin-induced diabetes in neonatal rats. Histology and Histopathology, v. 26, n. 1, p. 13–21, 2011.
AHMED, I. et al. Beneficial effects and mechanism of action of Momordica charantia juice in the treatment of streptozotocin-induced diabetes mellitus in rat. Molecular and Cellular Biochemistry, v. 261, n. 1-2, p. 63–70, 2004.
KARUNANAYAKE, E. H.; JEEVATHAYAPARAN, S.; TENNEKOON, K. H. Effect of Momordica charantia fruit juice on streptozotocin-induced diabetes in rats. Journal of Ethnopharmacology, v. 30, n. 2, p. 199–204, 1990.
OOI, C. P.; YASSIN, Z.; HAMID, T.-A. Momordica charantia for type 2 diabetes mellitus. Cochrane Database of Systematic Reviews, v. 8, p. CD007845, 2012.
RATHI, S. S.; GROVER, J. K.; VATS, V. The effect of Momordica charantia and Mucuna pruriens in experimental diabetes and their effect on key metabolic enzymes involved in carbohydrate metabolism. Phytotherapy Research, v. 16, n. 3, p. 236–243, 2002.
SARKAR, S.; PRANAVA, M.; MARITA, R. Demonstration of the hypoglycemic action of Momordica charantia in a validated animal model of diabetes. Pharmacological Research, v. 33, n. 1, p. 1–4, 1996.
SATHISHSEKAR, D.; SUBRAMANIAN, S. Beneficial effects of Momordica charantia seeds in the treatment of STZ-induced diabetes in experimental rats. Biological & Pharmaceutical Bulletin, v. 28, n. 6, p. 978–983, 2005.
TRIPATHI, U. N.; CHANDRA, D. The plant extracts of Momordica charantia and Trigonella foenum-graecum have anti-oxidant and anti-hyperglycemic properties for cardiac tissue during diabetes mellitus. Oxidative Medicine and Cellular Longevity, v. 2, n. 5, p. 290–296, 2009.
YANG, S. J. et al. Preventive effects of bitter melon (Momordica charantia) against insulin resistance and diabetes are associated with the inhibition of NF-κB and JNK pathways in high-fat-fed OLETF rats. Journal of Nutritional Biochemistry, v. 26, n. 3, p. 234–240, 2015.
Comentei no primeiro artigo mas não mereci a publicação. Portanto deixo de comentar este artigo.
ResponderExcluirFoi mal, mas eu não estava recebendo os e-mails avisando da chegada de comentários...
Excluir