Pular para o conteúdo principal

Florais de Bach e suas baboseiras


Atendendo um pedido que chegou por e-mail (se você tem alguma sugestão de pauta, pode deixar nos comentários de qualquer postagem, ou escrever para a gente em aportademarfim@gmail.com), fui investigar os verdadeiros efeitos dos tratamentos com florais de Bach.

Os florais de Bach têm esse nome devido ao seu criador, Edward Bach, um homeopata inglês que desenvolveu esses tratamentos na década de 1930. Ele criou 38 florais usando flores diferentes, com a ideia de que cada planta seria capaz de ajudar com determinada característica mental do paciente. Por exemplo, o floral de agrimônia é usado para promover a paz e leveza interior, enquanto o floral feito com a flor da parreira ajuda pessoas dominadoras a controlar seu ímpeto de se impor sobre as outras. Para chegar a essas associações entre flor e sintoma a ser trabalhado, Bach usou a sua intuição e não o método científico com experimentos. Se ele tinha um sentimento ou emoção ruim, ele passava a mão sobre diferentes plantas e flores, até chegar a uma que aliviasse tal emoção. E a associação estava feita: aquela flor era descrita como benéfica para tratar aquele sentimento.

Os florais são misturas de conhaque com materiais derivados de flores diluídos muitas, muitas, muitas, muitas vezes. É tão diluído que não tem nem mais cheiro de flor. Segundo Bach, os extratos florais manteriam as propriedades curativas das plantas. A diluição extrema do extrato vem da formação homeopata de Bach. Mas a água onde os extratos foram diluídos manteriam as propriedades de cura pelos conceitos da medicina vibracional e de memória da água, coisas também pregadas pela homeopatia (que a gente já discutiu em outra postagem). Nenhuma dessas hipóteses tem qualquer valor científico, o que coloca o tratamento com florais de Bach no saco de pseudociências.

Mas mesmo que isso tudo possa ser verdade, os florais de Bach têm qualquer efeito sobre a saúde? De modo geral, não. Alguns artigos científicos revisaram o que já foi publicado sobre os efeitos dos florais de Bach sobre problemas psicológicos, como ansiedade, transtorno do déficit de atenção com hiperatividade, estresse e depressão, e sobre dor. Todos concluíram que o tratamento não tem nenhum efeito além do placebo (ou seja, tomar floral de Bach ou água achando que é floral de Bach tem o mesmo efeito) sobre os sintomas (ERNST, 2002, 2010; PINTOV et al., 2005; THALER et al., 2009; WALACH; RILLING; ENGELKE, 2001). Porém, recentemente, um trabalho de cientistas cubanos mostrou que o tratamento com florais de Bach reduziu a dor em pacientes com síndrome do túnel carpal, que causa dormência, formigamento e dor, principalmente nos dedos da mão (RIVAS-SUAREZ et al., 2017). O problema é que dois dos pesquisadores que escreveram o trabalho têm relação com uma organização que divulga os benefícios do tratamento com florais de Bach. Esse conflito de interesses reduz o valor científico do trabalho; ou você acha que alguém que vende uma cura vai dizer que a cura não funciona?

Em conclusão, ainda não se mostrou que o tratamento com florais de Bach tenha qualquer benefício sobre a saúde.

Referências:

ERNST, E. “Flower remedies”: a systematic review of the clinical evidence. Wiener Klinische Wochenschrift, v. 114, n. 23–24, p. 963–966, 2002.

ERNST, E. Bach flower remedies: a systematic review of randomised clinical trials. Swiss Medical Weekly, v. 140, p. w13079, 2010.

PINTOV, S. et al. Bach flower remedies used for attention deficit hyperactivity disorder in children - A prospective double blind controlled study. European Journal of Paediatric Neurology, v. 9, n. 6, p. 395–398, 2005.

RIVAS-SUAREZ, S. R. et al. Exploring the Effectiveness of External Use of Bach Flower Remedies on Carpal Tunnel Syndrome: A Pilot Study. Journal of Evidence-Based Complementary & Alternative Medicine, v. 22, n. 1, p. 18–24, 2017.

THALER, K. et al. Bach Flower Remedies for psychological problems and pain: a systematic review. BMC Complementary and Alternative Medicine, v. 9, n. 1, p. 16, 2009.

WALACH, H.; RILLING, C.; ENGELKE, U. Efficacy of Bach-flower remedies in test anxiety: A double-blind, placebo-controlled, randomized trial with partial crossover. Journal of Anxiety Disorders, v. 15, n. 4, p. 359–366, 2001.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Não, a fosfoamina não é (ainda) a cura do câncer

Em agosto desse ano, uma reportagem do portal G1 mostrou a luta de pacientes com câncer na justiça para receber cápsulas contendo o composto fosfoamina (na verdade, fosfoetanolamina) que supostamente curaria a doença. O “remédio” era produzido e distribuído pelo campus da Universidade de São Paulo na cidade de São Carlos, mas a distribuição foi suspensa por decisão da própria reitoria, já que o composto não é registrado na ANVISA (todo remédio comercializado no país deve ser registrado) e não teve eficiência comprovada. Porém, alguns dos pacientes tratados com a fosfoamina relatam que foram curados e trazem exames e outras coisas para provar. Segundo o professor aposentado Gilberto O. Chierice (que participou dos estudos com a substância), “A fosfoamina está aí, à disposição, para quem quiser curar câncer”. Mas, vamos devagar, professor Gilberto; se a fosfoamina realmente é a cura para o câncer, por que não foi pedido o registro na ANVISA? O Governo Federal poderia produzir gran

Não, suco de melão São Caetano não é a cura do câncer

Recebi pelo Facebook um link para uma postagem do blogue Cura pela Natureza . Lá é descrito o poder de uma planta medicinal capaz de curar o câncer, controlar o diabetes e, de quebra, fortalecer a imunidade do corpo. Sinistro, né? A planta em questão é chamada de melão São Caetano ou melão amargo. Conhecida cientificamente como Momordica charantia , essa planta faz parte da família Cucurbitaceae, junto com outras plantas famosas, como a abóbora, o pepino e a melancia. Ela cresce bem nas áreas tropicais e subtropicais da África, Ásia e Austrália, e foi trazida ao Brasil pelos escravos. O texto cita o Dr. Frank Shallenberger, dos Estados Unidos, que seria o descobridor dos efeitos medicinais da planta. Fui então atrás das pesquisas publicadas pelo Dr. Shallenberger para saber mais sobre os poderes do melão São Caetano. E descobri que ele nunca publicou nenhum trabalho científico sobre a planta (na verdade, ele nunca publicou qualquer coisa!). Como que a

Rapte-me, Camaleoa!

Recebi recentemente pelo Whatsapp um vídeo do Instagram mostrando um camaleão escalando uma série de lápis de cor diferentes. Cada vez que ele encostava a pata em um novo lápis, a cor dele mudava rapidamente, de acordo com a cor do lápis. Muito legal! Pena que não é verdade. O vídeo era originalmente de um perfil de um camaleão de estimação e o responsável alterou o vídeo digitalmente, incluindo essas mudanças de cores rápidas no bicho. Ele deixou um aviso no vídeo original, explicando que era computação gráfica e que tinha feito só para ser divertido. Mas isso não impediu outras pessoas de retirarem o aviso e divulgarem pela Internet. Fazer o quê? Mas aqui embaixo tem um vídeo mostrando como de fato um camaleão muda de cor. Reparem duas coisas: 1) o vídeo está acelerado dez vezes, ou seja, a mudança de cor é lenta; e 2) ficando mais amarelo avermelhando, a última coisa que ele está fazendo é ficar mais camuflado. Eu sempre me perguntei como o camaleão sabia que cor ele tinha que esco