Pular para o conteúdo principal

[Blogue do Sobrinho] Bolso’s Biju


Há algumas semanas, mais especificamente no dia 27 de junho, o presidente da república aproveitou seu tempo livre durante uma viagem oficial ao Japão para fazer uma de suas tão aguardadas (ou não) transmissões semanais ao vivo via Facebook. Ao trazer mais uma vez um assunto de extrema importância para o povo brasileiro, tratado com a seriedade e profundidade que lhe é costumeira, o presidente mostra ao público uma série incrível de bijuterias e talheres feitas com nióbio adquiridos pela sua equipe em lojas japonesas. Parece que o objetivo era mostrar como um investimento maior por parte do Brasil na exploração desse metal seria justificável, afinal todos aqueles lindos pingentes e talheres foram adquiridos por algo em torno de US$1.400 (mil e quatrocentos dólares). Essa é uma das bandeiras que ele sempre defendeu no decorrer da sua longa e pouco produtiva carreira política.

O nióbio, ou Nb para os íntimos da Tabela Periódica, é um metal de ocorrência natural que pode ser obtido a partir da columbita. É atribuída à Charles Hatchett, em 1801, a descoberta de um minério desconhecido ao analisar minério de Cromo (Cr) em Connecticut, Estados Unidos. Por ter descoberto esse novo mineral em uma das Américas, ele o chama de columbita e o metal correspondente de colúmbio (uma alusão a Colombo). Mas teria sido em 1844, estudando amostras de columbita, que Heinrich Rose descobre dois novos elementos muito similares ao Tântalo (Ta), descoberto por Anders Gustaf Ekeberg em 1802. Sendo assim, Rose resolve nomear seus elementos com o nome nióbio em referência a Níobe, filha do deus Tântalo, que empresta o nome ao elemento descoberto por Ekeberg. Talvez o colúmbio de Hatchett fosse uma mistura de tântalo e nióbio, mas os estadunidenses insistem em se referir ao nióbio por colúmbio. A versatilidade do nióbio faz com que ele tenha aplicações que vão da utilização como componente eletrônico, passando pela criação de super ligas metálicas até o armazenamento de energia.

Quase todas as reservas de nióbio conhecidas no mundo são brasileiras, mais precisamente isso corresponde a 98% das reservas mundiais, localizadas principalmente em Minas Gerais, Amazonas, Goiás, e algumas outras em Roraima. Reservas estas que tem minério para ser explorado a perder de vista. Por exemplo, só as reservas no município de Araxá (MG) tem potencial para oferecer nióbio para mais 200 anos. Na década de 1960, o governo brasileiro não sabia o que fazer com tanto nióbio e simplesmente permitiu que o minério fosse explorado livremente. Foi assim que a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), que é a responsável por desenvolver e aprimorar as técnicas de extração e aplicação do nióbio ao longo dos anos, se tornou a detentora de praticamente toda produção mundial com o metal e fez dos Moreira Salles uma das famílias mais ricas do país. Hoje, na verdade desde de 1970, praticamente não há mais exportação do metal bruto mas sim do ferro-nióbio, uma liga metálica mais leve e resistente usada em diferentes setores da indústria. A exportação dessa liga vem crescendo nos últimos anos e arrecadando bilhões para os cofres federais, só em 2012 foram por volta de 71 mil toneladas rendendo 1,8 bilhões de dólares (seriam aproximadamente 6, 75 bilhões de reais na cotação atual do dólar).

Diferente do que certos grupos pensam, e querem fazer com que você pense, o nióbio brasileiro não está de modo algum sendo subutilizado, mal aproveitado, ou ainda sendo roubado. Mesmo o grupo asiático que detém uma pequena parcela da CBMM não conhece os procedimentos de extração desenvolvidos pela empresa. O próprio fato de todo o processo de extração e transformação do nióbio estar concentrado nas mãos de uma única empresa é um fator complicador para o comércio de nióbio, uma vez que, mesmo sendo versátil, é substituível e não tem o mesmo valor que outros metais, como o ouro, por exemplo. É um fato a se destacar que há reservas no Amazonas e em Roraima que se encontram em áreas de reserva indígena. Considerando tais questões, a quem interessaria convencer a população de que o nióbio precisa ser “melhor” explorado e protegido? O que há por trás do discurso leviano sobre o valor do nióbio, que ignora a necessidade de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias com o nióbio para de fato agregar valor ao material? De uma fala que omite o monopólio, negócio familiar bilionário de mineração do nióbio? Talvez, pautas mais interessantes para a questão do nióbio fossem sobre a quebra do monopólio, a descentralização do direito ao metal, para uma socialização do meio de produção, acompanhada do fomento à pesquisa e democratização do acesso à informação.

Referências Bibliográficas:
 
 
 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Não, suco de melão São Caetano não é a cura do câncer

Recebi pelo Facebook um link para uma postagem do blogue Cura pela Natureza . Lá é descrito o poder de uma planta medicinal capaz de curar o câncer, controlar o diabetes e, de quebra, fortalecer a imunidade do corpo. Sinistro, né? A planta em questão é chamada de melão São Caetano ou melão amargo. Conhecida cientificamente como Momordica charantia , essa planta faz parte da família Cucurbitaceae, junto com outras plantas famosas, como a abóbora, o pepino e a melancia. Ela cresce bem nas áreas tropicais e subtropicais da África, Ásia e Austrália, e foi trazida ao Brasil pelos escravos. O texto cita o Dr. Frank Shallenberger, dos Estados Unidos, que seria o descobridor dos efeitos medicinais da planta. Fui então atrás das pesquisas publicadas pelo Dr. Shallenberger para saber mais sobre os poderes do melão São Caetano. E descobri que ele nunca publicou nenhum trabalho científico sobre a planta (na verdade, ele nunca publicou qualquer coisa!). Como que a

Não, a fosfoamina não é (ainda) a cura do câncer

Em agosto desse ano, uma reportagem do portal G1 mostrou a luta de pacientes com câncer na justiça para receber cápsulas contendo o composto fosfoamina (na verdade, fosfoetanolamina) que supostamente curaria a doença. O “remédio” era produzido e distribuído pelo campus da Universidade de São Paulo na cidade de São Carlos, mas a distribuição foi suspensa por decisão da própria reitoria, já que o composto não é registrado na ANVISA (todo remédio comercializado no país deve ser registrado) e não teve eficiência comprovada. Porém, alguns dos pacientes tratados com a fosfoamina relatam que foram curados e trazem exames e outras coisas para provar. Segundo o professor aposentado Gilberto O. Chierice (que participou dos estudos com a substância), “A fosfoamina está aí, à disposição, para quem quiser curar câncer”. Mas, vamos devagar, professor Gilberto; se a fosfoamina realmente é a cura para o câncer, por que não foi pedido o registro na ANVISA? O Governo Federal poderia produzir gran

Dr. José Roberto Kater e o ovo: vilões ou mocinhos?

Ontem, eu recebi pelo Facebook um vídeo de uma entrevista com o Dr. José Roberto Kater onde ele comenta sobre os benefícios do ovo na alimentação. Porém, algumas coisas me soaram um pouco, digamos, curiosas (na verdade, em pouco mais de três minutos de vídeo poucas coisas pareceram normais (o vídeo completo está disponível no fim do texto)). O Dr. Kater é, segundo a Internet, médico, obstetra, nutrólogo, antroposófico (a medicina antroposófica é um ramo alternativo com base em noções ocultas e espirituais), homeopata, acupunturista e com mais algumas outras especialidades. Porém, não é cientista, já que não tem currículo cadastrado na Plataforma Lattes (do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento, CNPq) ou assina qualquer artigo científico indexado em banco de dados internacional. Para mim, o cara pode dizer que é o Papa, eu não vou acreditar nele de primeira. As informações científicas estão disponíveis e eu fui pesquisar para entender se o Dr. Kater é um visionário ou ch