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[Blog da Giulianna] Aprovação das terapias genéticas Casgevy e Lyfgenia nos EUA e no Reino Unido para a cura da Doença Falciforme

A anemia falciforme é uma doença genética crônica e potencialmente fatal que afeta o sangue, sendo mais comum na população negra. É causada por uma mutação no gene da hemoglobina, a proteína responsável pelo transporte de oxigênio nos glóbulos vermelhos do sangue. Pessoas com anemia falciforme produzem glóbulos vermelhos de formato incomum, semelhante a uma foice, o que pode levar a uma série de problemas, incluindo dor e infecções potencialmente fatais devido ao bloqueio dos vasos sanguíneos.

Em dezembro de 2023, a Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos aprovou duas terapias genéticas inovadoras para o tratamento da anemia falciforme: Casgevy e Lyfgenia, sendo o segundo lugar no mundo a aprovar as terapias, após a aprovação em Novembro de 2023 pelo Reino Unido. Ambos os tratamentos utilizam células-tronco do próprio sangue do paciente, modificadas e reintroduzidas no organismo durante um transplante de células-tronco do sangue. Ambas as terapias são indicadas para pacientes acima de 12 anos e com histórico de crises de bloqueio de circulação do sangue.


Casgevy é notável por ser o primeiro tratamento aprovado pela FDA a utilizar a tecnologia de edição de genoma CRISPR/Cas9, desenvolvida pelas cientistas Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna, ganhadoras do Prêmio Nobel em 2020. O CRISPR/Cas9 é uma ferramenta revolucionária de edição genética, muitas vezes chamada de "tesoura genética", que oferece à ciência a capacidade de modificar seletivamente o sequência código genético de uma célula. Funciona permitindo o corte preciso de uma parte específica do DNA, proporcionando a capacidade de ativar ou desativar a produção de determinadas proteínas pela célula. O processo envolve a ativação da enzima Cas9, que age como uma tesoura molecular, cortando o DNA no local desejado, como pode ser observado na imagem.

Essa abordagem revolucionária permite uma edição precisa do DNA, corrigindo os erros genéticos responsáveis pela anemia falciforme. A segurança e eficácia do Casgevy foram avaliadas em pacientes adultos e adolescentes com doença falciforme. O resultado foi ausência de episódios graves de oclusão vascular durante pelo menos 12 meses consecutivos no período de acompanhamento de dois anos. Assim, um total de 44 pacientes foram tratados e, dos 31 avaliados durante tempo suficiente, 29 (93,5 %) alcançaram esse resultado.

Lyfgenia, por outro lado, utiliza um vírus que atua como um veículo de entrega de genes para a modificação genética das células estaminais. As células do sangue são geneticamente alteradas para produzir uma hemoglobina semelhante à hemoglobina A, encontrada em pessoas não afetadas pela doença. A segurança e eficácia deste medicamento foram avaliadas em um estudo de 24 meses, em pacientes com doença falciforme e histórico de eventos de bloqueio de circulação de sangue com idades entre 12 e 50 anos, observando-se que 88 % dos 32 pacientes, alcançaram resolução completa dos sintomas durante esse período.

No entanto, o acesso a esses tratamentos pode ser limitado devido ao custo elevado, estimado em cerca de 2 milhões de dólares por pessoa. Pesquisadores, como os do Innovative Genomics Institute, estão trabalhando para desenvolver alternativas mais acessíveis, tornando o tratamento mais amplamente disponível.

No cenário brasileiro, a anemia falciforme afeta de 60 a 100 mil indivíduos, de acordo com o Ministério da Saúde, e ainda não houve pedido de registro para os tratamentos Casgevy e Lyfgenia na Anvisa. No país, a detecção da doença é feita pelo teste do pezinho, e o tratamento atual inclui o uso do medicamento hidroxiureia, que, embora eficaz, não cura a doença e pode não ser tão eficaz para algumas complicações, e o transplante alogênico (com doador) de células tronco, que é um tratamento que cura a doença, mas em 80% dos casos não se consegue achar um doador compatível, o que restringe seu uso.

O Hospital Albert Einstein, em São Paulo, está envolvido em pesquisas para desenvolver terapias genéticas para a anemia falciforme. A pesquisa que iniciou em 2019, ainda em fase pré-clínica para analisar a segurança do procedimento, visa corrigir a mutação no DNA utilizando a técnica CRISPR/Cas9 para proporcionar uma abordagem mais eficaz no combate à doença.

Referências:




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