Pular para o conteúdo principal

Aubrey de Grey: desafiando a morte ou a minha inteligência?


Essa semana, eu cruzei com essa figura na Internet: Dr. Aubrey de Grey. Excêntrico é um adjetivo que facilmente me vem à cabeça para defini-lo. Dr. de Grey é o fundador da “SENS Research Foundation”, uma fundação para financiar pesquisas na área do que ele chama de “SENS”, que é a sigla em inglês para algo como “estratégias para programar um envelhecimento mínimo”. A ideia da fundação é investir em pesquisas sobre o envelhecimento que não são financiadas nem pela indústria farmacêutica, nem pelos governos. Por quê? A indústria só vai investir em pesquisas de baixo risco e com grande potencial de lucro. E o financiamento público é voltado para pesquisas mais básicas, às vezes sem uma aplicação comercial direta. A SENS Research Foundation tenta ocupar o lugar entre as duas. O Dr. de Grey acredita que o envelhecimento é uma doença (e que assim pode ser prevenida e curada como tal) que tem apenas sete causas básicas, entre elas mutações do DNA, agregados de proteínas e células cancerosas. O objetivo da SENS Research Foundation é investir em pesquisas que envolvam essas supostas causas.
Aubrey de Grey (Fonte: Wikipedia)

Tudo parece muito interessante, mas eu fiquei me perguntando se o Dr. de Grey é um pesquisador sério ou mais um dos muitos charlatões que existem quando o assunto é envelhecimento e, principalmente, prevenção do envelhecimento.

(Eu sempre fico com o pé atrás quando alguém me fala que vai me deixar jovem e/ou magro de modo fácil. É uma cilada, Bino!)

Será que o Dr. de Grey é uma versão cientista do INRI Cristo? Eu fui olhar mais a fundo quem é e o que fez o Dr. de Grey. Como um especialista na área de envelhecimento, imaginei que ele fosse um médico ou de alguma área científica biológica. Não. Ele é formado em ciência da computação em Cambridge. Bem, ele deve ser então PhD em bioquímica ou biologia molecular ou alguma coisa do gênero. Não. Na verdade, ele é um pouco mais doutor que o Presidente Lula. Em 1999, de Grey (já até tirei o doutor) publicou um livro sobre a hipótese do envelhecimento causado pelos radicais livres produzidos no corpo (tenho certeza que você já ouviu as palavras “radicais livres”, “envelhecimento” e “anti-oxidantes” na mesma frase em algum programa de TV). Um ano depois, Cambridge concedeu o título de PhD à de Grey. (E pensar que eu tive que trabalhar um bocado por quatro anos para conseguir isso...) Um detalhe: essa hipótese já tinha sido proposta pelo Dr. Denham Harman 50 anos antes; de Grey a atualizou, incorporando novos dados e propostas.


INRI Cristo? (Fonte: www.blumenews.com.br)
Dr. Denham Harman (Fonte: www.the-scientist.com)

Mas bem, mesmo com os dois pés atrás agora, vamos ver o quanto o de Grey tem contribuído para a ciência do envelhecimento. Surpresa! De Grey tem mais de 100 trabalhos publicados em revistas científicas! Mas a empolgação dura pouco. Metade desses trabalhos não são pesquisas científicas publicadas; são editoriais escritos para a revista “Rejuvenation Research”, da qual de Grey (sabe-se lá porquê) é editor-chefe. Esses não contam. Os outros trabalhos são artigos de revisão da literatura ou artigos propondo novas hipóteses (ou ainda respondendo a críticas contra as suas ideias). Resumindo: eu não consegui achar nenhum trabalho científico que apresentasse dados novos que tenha sido feito pelo de Grey ou por um grupo de pesquisadores sobre a sua liderança. Nenhum! Eu até aceito que a mídia geral dê ouvidos para um cara que é professor adjunto do Instituto de Física e Tecnologia de Moscou (você estão vendo como a história vai piorando; o que física e tecnologia tem a ver com envelhecimento?) e tem cara de maluco, mas não entendo porque parte da comunidade científica ainda o leva a sério.

Por último, vamos ver as pesquisas que a SENS Research Foundation anda financiando. A única publicação de de Grey que aparece na página da fundação na Internet é um livro de divulgação científica que pode ser encontrado à venda na Amazon. Fora isso, 17 pesquisas feitas com recursos deles já foram publicadas. De Grey não participa diretamente de nenhuma, mas metade delas foi publicada na revista editorada por ele. O que é no mínimo estranho. Concluindo: para mim, de Grey está muito mais para charlatão do que para pensador ou filósofo (pesquisador é uma coisa que, para mim, ele nunca foi). O que não quer dizer que ele não possa estar certo nas suas hipóteses. Acho louvável ele ter usado 13 milhões de dólares da herança deixada pela mãe para fundar a SENS Research Foundation (O Rei do Camarote agregaria muito mais valor ao mundo se fizesse algo parecido.). Tomara que o dinheiro usado no financiamento de pesquisas ajude a desvendar as partes ainda obscuras do envelhecimento e torne mais próximo o tratamento das doenças associadas a ele. Mas eu não vou acreditar no que esse barbudo tem para me dizer.

Comentários

  1. Olá David, post interessante! Entretanto, acho que as conclusões foram um pouco exageradas. Pontos que concordei:
    1. Produtividade do pesquisador em questão é baixa
    2. Quanto ao título de doutor por ter feito uma tese apenas no campo teórico
    3. Que parece com o Inri Cristo (Visualmente, ao menos)

    Primeira questão: Aubrey de Grey está tentando ganhar dinheiro prometendo uma cura milagrosa fácil?
    Aparentemente, não. A empresa que ele fundou, não possuí ainda ‘’produtos´´ para o público. Logo, ele não está oferecendo nenhum produto milagroso em troca de dinheiro. Então, no momento, não afirmaria que é um charlatão.

    Segundo, as hipóteses do pesquisador são ''Apenas atualizações de hipóteses antigas'' e tem grandes falhas conceituais?
    Também acho que não, David. A hipótese de Harman, é que espécies reativas mitocondriais causariam o envelhecimento. Foi melhor elaborada depois, incluindo um ciclo vicioso gerado por mutações no DNA mitocondrial (por sua proximidade com a cadeia respiratória - maior formadora de espécies reativas da célula). A grande sacada do Aubrey de Grey foi na verdade, não deixar a hipótese um pouco mais atualizada com os dados novos, mas sim, propor uma forma de contornar o problema de mutações no DNA mitocondrial, adicionando cópias dos 13 genes desse DNA no núcleo, pois lá ele estariam mais protegidos (uma forma de backup). Foi um avanço em relação às propostas do momento (antioxidantes, que falharam miseravelmente em diversos testes clínicos).

    A hipótese é plausível?
    Tecnicamente sim: outros grupos vêm utilizando essa ideia em modelos de doenças causadas por mutações em genes mitocondriais tendo resultados positivos. Entretanto, Aubrey foi o primeiro a propor em usar essa ideia para tratar o envelhecimento. Concordo que tecnicamente não é fácil transpor para humanos com nossa tecnologia atual. Porém, em diversas areas o que conseguimos fazer em modelos mais simples ainda não conseguimos transpor pra modelos mais complexos, mas nem por isso o conceito científico é desmerecido.

    O que a SENS Research financia?
    Pelo o que venho acompanhando, a empresa foca em 2 áreas:
    Pesquisa: Ela possuí um ótimo Advisory Board, nomes como Maria A. Blasco, Judith Campisi, e George Church, todos pesquisadores de referencia na area, que vem publicando em ótimas revistas nos últimos anos. A maioria dos trabalhos financiados vem de fato sendo publicados na Rejuvenation Research, entretanto, tem conseguido publicar em boas revistas também, como BBA, Am J Hum Genet e ACS! Além disso, a empresa possuí um dinheiro reservado para fornecer grants.
    Educação: Ela também investe seu recurso em divulgação do envelhecimento, fazendo os encontros SENS, com vídeos de bons pesquisadores da área disponíveis em seu site, e por fim, organizando summer schools para alunos na graduação no próprio SENS mas também com convenio com lugares como Harvard Stem Cell Institute e Oxford University. Por esse investimento em educação, acho dificil que a empresa esteja agindo de má fé.

    E quanto à revista?
    A Rejuvenation Research é uma revista como você disse fundada pelo Aubrey de Grey, e que ele é editor-chefe. Não teria muitos motivos pra duvidar da qualidade das publicações dela, já que em 2005 começou com um ótimo fator de impacto de 8.571, e que se manteve relativamente alto até 2010 (4,22). Apesar do fator de impacto não estar tão alto ultimamente (2,9) não é tão baixo assim. Além disso, seu quadro de editores associados possuí nomes bastante respeitados na área de envelhecimento e senescência, como Judith Campisi (Berkeley), Edward Lakatta (NIA), Vilhelm Bohr (NIA), e Rudolph Tanzi (Harvard Medical School).

    Finalmente, Aubrey de Grey está certo e vai cumprir o que está falando?
    Não sei. Uma boa parte dos cientistas da área publicou em 2005 que acha que a agenda do SENS dificilmente vai cumprir seu prazo, então, temos que esperar pra ver o que vai acontecer.

    Acho que é isso David, seu post foi bem legal, mas eu achei que ficou faltando mostrar um pouco do outro lado. Mas sempre bom questionar o que ouvimos por aí
    Abraço

    ResponderExcluir
  2. Referências:

    -Utilização da Allotopic expression para modelos de doenças causadas por genes mitocondriais:
    Optimized allotopic expression of the human mitochondrial ND4 prevents blindness in a rat model of mitochondrial dysfunction
    Am J Hum Genet. 2008 Sep;83(3):373-87. doi: 10.1016/j.ajhg.2008.08.013

    -Research Advisory Board da SENS:
    http://sens.org/about/leadership/research-advisory-board

    -Summer School promovido pela SENS:
    http://sens.org/education/student-program-applications/2014-summer-scholar-program

    -Programação do último encontro SENS:
    http://www.sens.org/outreach/conferences/sens6/program

    -Lista de editores da Rej Res:
    http://www.liebertpub.com/editorialboard/rejuvenation-research/127/

    -Texto publicado na EMBO J em 2005:
    http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1371037/pdf/6-7400555.pdf

    -Resposta do Aubrey de Grey ao texto:
    http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1371043/pdf/6-7400565.pdf

    -Vídeo TED com resumindo a proposta do Aubrey de Grey:
    https://www.youtube.com/watch?v=hgLRhxvRlKg

    ResponderExcluir
  3. Novamente não consigo responder ao comentário... :(
    Evandro, grande comentário, tanto no tamanho, mas principalmente no conteúdo. Seria uma boa postagem com o outro lado da história. Concordo em muitos pontos com você. Acho que errei a mão na ironia e critiquei demais quem não merecia na história. Em bom português, meu (talvez único) ponto é o seguinte: por que de Grey é considerado especialista em envelhecimento por, pelo menos, parte da comunidade científica sem ele nunca foi para a bancada investigar qualquer coisa? A crítica é mais para a comunidade do que para o de Grey, eu acho. Vou respondendo seus argumentos na ordem que você os apresentou.
    A produtividade real (novas informações e dados científicos) do de Grey não é baixa; é nula! Acho que isso foi o que mais me incomodou...
    Concordo que de Grey não está vendendo produtos; mas sim ideias. A SENS aceita doações para manter os seus custos operacionais e seus financiamentos. Talvez eu tenha pegado pesado com “charlatão” na falta de um verbete mais adequado...
    Confesso que não li o primeiro livro de de Grey (tinha mais de 200 páginas e ia atrasar demais a produção da postagem). Como você, não acho que a hipótese de trabalho de de Grey e da SENS tenha grandes falhas e também acho que é realizável em um futuro próximo em modelos experimentais (leveduras, topas?). Já em humanos, ainda temos um longo caminho a percorrer. Meu problema, como disse acima, é dar o diploma de PhD para o cara e considera-lo especialista por ideias escritas em 200 páginas (e mais alguns artigos teóricos). Só falta ganhar o Nobel...
    Quando a fundação SENS, não tenho nada contra e defendo a iniciativa de de Grey no último parágrafo da postagem. Também duvido que a SENS aja de má fé na hora de escolher os projetos que vai financiar. A diretoria é de grande respeito científico, sem dúvida. E quero convencer o Rei do Camarote a fundar uma instituição para financiar estudos de obesidade... Mas me soa estranho tantos trabalhos publicados na revista do chefe. Salta aos olhos um conflito de interesses, que me faz desconfiar da qualidade científica dos trabalhos. Mas isso é um problema dos autores, e não dos financiadores.
    Não olhei dos trabalhos da Rejuvenation Research. Novamente, só achei estranho alguém dar o cargo de editor-chefe de uma revista para um cara que nunca foi para a bancada. Mas se ele é o dono da revista, então pode qualquer coisa, como aquela história da cientista que comprou uma revista para publicar o genoma do pé-grande que ela tinha supostamente sequenciado, mas (obviamente) ninguém acreditava nem queria publicar...
    Por último, de Grey está certo? Tomara que sim! Tomara que a SENS consiga fazer grande descobertas na área do envelhecimento. De certa forma, a Ciência não anda quando procuramos dos cisnes brancos; temos que ir atrás dos pretos!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Não, suco de melão São Caetano não é a cura do câncer

Recebi pelo Facebook um link para uma postagem do blogue Cura pela Natureza . Lá é descrito o poder de uma planta medicinal capaz de curar o câncer, controlar o diabetes e, de quebra, fortalecer a imunidade do corpo. Sinistro, né? A planta em questão é chamada de melão São Caetano ou melão amargo. Conhecida cientificamente como Momordica charantia , essa planta faz parte da família Cucurbitaceae, junto com outras plantas famosas, como a abóbora, o pepino e a melancia. Ela cresce bem nas áreas tropicais e subtropicais da África, Ásia e Austrália, e foi trazida ao Brasil pelos escravos. O texto cita o Dr. Frank Shallenberger, dos Estados Unidos, que seria o descobridor dos efeitos medicinais da planta. Fui então atrás das pesquisas publicadas pelo Dr. Shallenberger para saber mais sobre os poderes do melão São Caetano. E descobri que ele nunca publicou nenhum trabalho científico sobre a planta (na verdade, ele nunca publicou qualquer coisa!). Como que a

Não, a fosfoamina não é (ainda) a cura do câncer

Em agosto desse ano, uma reportagem do portal G1 mostrou a luta de pacientes com câncer na justiça para receber cápsulas contendo o composto fosfoamina (na verdade, fosfoetanolamina) que supostamente curaria a doença. O “remédio” era produzido e distribuído pelo campus da Universidade de São Paulo na cidade de São Carlos, mas a distribuição foi suspensa por decisão da própria reitoria, já que o composto não é registrado na ANVISA (todo remédio comercializado no país deve ser registrado) e não teve eficiência comprovada. Porém, alguns dos pacientes tratados com a fosfoamina relatam que foram curados e trazem exames e outras coisas para provar. Segundo o professor aposentado Gilberto O. Chierice (que participou dos estudos com a substância), “A fosfoamina está aí, à disposição, para quem quiser curar câncer”. Mas, vamos devagar, professor Gilberto; se a fosfoamina realmente é a cura para o câncer, por que não foi pedido o registro na ANVISA? O Governo Federal poderia produzir gran

Dr. José Roberto Kater e o ovo: vilões ou mocinhos?

Ontem, eu recebi pelo Facebook um vídeo de uma entrevista com o Dr. José Roberto Kater onde ele comenta sobre os benefícios do ovo na alimentação. Porém, algumas coisas me soaram um pouco, digamos, curiosas (na verdade, em pouco mais de três minutos de vídeo poucas coisas pareceram normais (o vídeo completo está disponível no fim do texto)). O Dr. Kater é, segundo a Internet, médico, obstetra, nutrólogo, antroposófico (a medicina antroposófica é um ramo alternativo com base em noções ocultas e espirituais), homeopata, acupunturista e com mais algumas outras especialidades. Porém, não é cientista, já que não tem currículo cadastrado na Plataforma Lattes (do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento, CNPq) ou assina qualquer artigo científico indexado em banco de dados internacional. Para mim, o cara pode dizer que é o Papa, eu não vou acreditar nele de primeira. As informações científicas estão disponíveis e eu fui pesquisar para entender se o Dr. Kater é um visionário ou ch