Antes de começar, gostaria de dizer que essa postagem é uma resposta a um e-mail que recebi de um leitor, pedindo mais informações sobre o óleo canola. Se você pensa em algum tema que seria interessante de ser discutido aqui no blogue, mande um e-mail para aportademarfim@gmail.com ou deixe um comentário aqui mesmo. Prometo que vou dar prioridade em escrever sobre o que for sugerido. Então, começando...
Se você procurar um pouco na Internet, vai encontrar várias postagens em blogues sobre o óleo canola. A maioria delas vai falar que ele é tóxico, que deveria ser proibido e que as pessoas que vendem deveriam ser presas (sim, isso está escrito). Mas, a grande maioria dessas postagens não tem nenhuma referência científica séria como embasamento. Também temos muitas cópias sem nenhum tipo de referência ou agradecimento ao autor original (isso é plágio; você que faz isso é que deveria ser preso). Encontrei apenas uma postagem moderada, que avaliava possíveis benefícios e problemas no consumo de óleo canola. Assim, fui atrás da Ciência de verdade sobre ele.
Primeiro, o que é o óleo canola? Na Internet, você vai achar um monte de gente dizendo que não existe uma planta canola, e isso é verdade. E, então, essas pessoas vão dizer que o óleo é ruim para a saúde por que a canola não existe, o que simplesmente não faz nenhum sentido. O óleo canola é extraído da semente da colza, uma planta de uma família que inclui outros vegetais amplamente utilizados na alimentação, como brócolis, repolho e mostarda. O óleo da colza era muito usado no século XIX para a produção de lubrificantes para motores a vapor e na iluminação pública (à base de lampiões na época). Hoje, ele é um dos principais óleos usados na produção de biodiesel. A colza não era usada na alimentação de pessoas nesse período, devido ao seu gosto amargo. O óleo também possuía uma alta concentração de uma gordura chamada ácido erúcico. Alguns estudos com animais na década de 1970 indicaram que o consumo de altas doses dessa gordura poderia ser tóxica ao coração, embora uma correlação com humanos nunca tenha sido mostrada. Além disso, o ácido erícico é um dos componentes do famoso óleo de Lorenzo, usado para tratar a adrenoleucodistrofia. E embora em altas concentrações, o ácido erícico nunca se mostrou tóxico para os pacientes que usavam o óleo de Lorenzo. Também na década de 1970, cientistas canadenses fizeram diversos cruzamentos entre variedades de colza para conseguir uma planta com sementes com um sabor melhor e com menos ácido erícico. Quero deixar claro que, nesse momento, as novas colza geradas não eram transgênicas; elas eram apenas frutos do cruzamento de plantas de existiam na natureza, em um processo chamado de seleção artificial. Essas plantas foram criadas da mesma forma como as raças de cachorros atuais foram criadas; os criadores cruzavam cachorros diferentes e escolhiam os filhotes com as melhores características. Isso foi feito por muito tempo, até termos cachorros tão diferentes como um dogue alemão e um pincher, que não são cachorros transgênicos. Surgia assim o famoso óleo canola, que é uma sigla para CANada Oil Low Acid (ou óleo com pouco ácido (erícico) do Canadá). Hoje o óleo tem pouquíssima concentração de ácido erícico, e é rico em gorduras ômega 6 e ômega 3.
OK, mas ele faz mal para a saúde? Uma das coisas que estão pela Internet diz que o óleo canola é ruim porque tem ácido erícico. Que fique claro que isso é uma besteira, visto que a quantidade de ácido erícico é muito baixa, ele também está presente em outros alimentos, como a mostrada, que não mata, e existem poucas evidências de que o ácido erícico seja tóxico para humanos. Mas o que temos cientificamente comprovado sobre os efeitos do óleo canola para a saúde?
Em 2013, um grupo de pesquisadores do Canadá fez uma revisão da literatura científica sobre o assunto e concluiu que o consumo de óleo canola por pessoas leva a uma redução dos níveis de colesterol do sangue, incluindo o “colesterol ruim”, LDL. Além disso, o óleo melhora o quadro de diabetes de pessoas com a doença e é capaz de bloquear o crescimento de tumores cancerígenos em animais de laboratório (não existem estudos em humanos ainda). O óleo canola também é rico em antioxidantes (LIN et al., 2013). Depois de 2013, outras pesquisas foram publicadas confirmando os resultados anteriores. Os trabalhos mostraram que o consumo de óleo canola reduz os níveis de colesterol total e do “colesterol ruim”, e de triglicerídeos, além de aumentar o “colesterol bom”, HDL, e reduz a pressão arterial (JONES et al., 2014; KRUSE et al., 2015). Ele também ajuda no combate ao diabetes do tipo II, que é associado ao excesso de peso (JENKINS et al., 2014). O consumo de óleo canola também tem um efeito anti-inflamatório, que pode ajudar no tratamento de doenças (BARIL-GRAVEL et al., 2015; KRUSE et al., 2015). Além disso, foram mostradas redução nos danos causados ao fígado (KRUSE et al., 2015) e da ligação do “colesterol ruim” à parede dos vasos sanguíneos (JONES et al., 2015), indicando que o óleo canola pode ajudar a evitar a arteriosclerose, que é o acúmulo de gordura nas artérias, impedindo o fluxo de sangue, o que pode causar infarto e AVC.
Por outro lado, alguns trabalhos mostraram que o consumo de óleo de canola pode levar a um aumento de peso (MEDEIROS JÚNIOR et al., 2014) e um acúmulo de gordura visceral (aquela barriga de chope), que é a mais perigosa em relação ao desenvolvimento de diabetes (BAUTISTA et al., 2014). Nesse último trabalho, os pesquisadores também encontraram um início de danos nos vasos sanguíneos (BAUTISTA et al., 2014).
Então, de um modo geral, parecem existir muito mais benefícios do que problemas no consumo de óleo canola. Mas tem um pequeno problema: a maior parte dos estudos sobre os efeitos do óleo são pagos pela Canola Council of Canada, uma empresa que envolve produtores de colza, exportadores do óleo, indústria de alimentos e o próprio governo canadense. Isso acende em mim uma grande luz vermelha de alerta! Até onde posso confiar que esses cientistas não estão escondendo possíveis malefícios do óleo canola e só estão divulgando as coisas boas? Não me sinto a vontade com esse grande conflito de interesses.
Minha conclusão é a seguinte: não há nenhum trabalho mostrando que o óleo canola é mais prejudicial à saúde do que outros óleos de origem vegetal, como azeite, soja ou girassol. Existem trabalhos mostrando vários benefícios, mas financiados pelos produtores de colza, o que é um pouco suspeito. Então, a única coisa que posso afirmar é que o óleo canola não é um veneno.
Referências:
BARIL-GRAVEL, L. et al. Docosahexaenoic acid-enriched canola oil increases adiponectin concentrations: a randomized crossover controlled intervention trial. Nutrition, Metabolism, and Cardiovascular Diseases : NMCD, v. 25, n. 1, p. 52–9, 2015.
BAUTISTA, R. et al. Early endothelial nitrosylation and increased abdominal adiposity in Wistar rats after long-term consumption of food fried in canola oil. Nutrition, v. 30, n. 9, p. 1055–1060, 2014.
JENKINS, D. J. A. et al. Effect of Lowering the Glycemic Load With Canola Oil on Glycemic Control and Cardiovascular Risk Factors: A Randomized Controlled Trial. Diabetes Care, v. 37, n. 7, p. 1806–1814, 2014.
JONES, P. J. H. et al. DHA-enriched high – oleic acid canola oil improves lipid profile and lowers predicted cardiovascular disease risk in the canola oil multicenter randomized controlled trial 1 – 3. American Journal of Clinical Nutrition, v. 100, n. 1, p. 88–97, 2014.
JONES, P. J. H. et al. High-oleic canola oil consumption enriches LDL particle cholesteryl oleate content and reduces LDL proteoglycan binding in humans. Atherosclerosis, v. 238, n. 2, p. 231–238, 2015.
KRUSE, M. et al. Dietary rapeseed/canola-oil supplementation reduces serum lipids and liver enzymes and alters postprandial inflammatory responses in adipose tissue compared to olive-oil supplementation in obese men. Molecular Nutrition & Food Research, v. 59, n. 3, p. 507–19, 2015.
LIN, L. et al. Evidence of health benefits of canola oil. Nutrition Reviews, v. 71, n. 6, p. 370–385, 2013.
MEDEIROS JÚNIOR, J. L. et al. Lard and/or canola oil-rich diets induce penile morphological alterations in a rat model. Acta Cirúrgica Brasileira, v. 29, n. Suppl. 1, p. 39–44, 2014.
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