“Frankenstein ou o Moderno Prometeu” é um romance de terror gótico escrito por Mary Shelley e lançado em 1818. O livro conta a história do estudante de história natural Victor Frankenstein, que dá vida a uma criatura “humana” feita com partes de diversos cadáveres. Embora chamado de monstro, a criação de Frankenstein é bondosa e articulada. Quase 200 anos depois, novos e verdadeiros doutores Franskensteins podem estar criando “monstros” para nos ajudar a testar novos remédios.
Desenvolver novos remédios é caro, principalmente pela alta taxa de falha no processo, ou seja, vários candidatos acabam não funcionando no fim e o dinheiro gasto vai pelo ralo. Parte do problema está na nossa falta de capacidade de fazer bons testes com esses candidatos em um momento inicial, para descobrir cedo se o novo composto é bom ou não, antes de perder tempo e dinheiro. Um remédio é testado primeiro em cultura de células, depois em animais, depois diversas vezes em diferentes grupos de pessoas. Mas novas técnicas em nanotecnologia, microfabricação e semicondutores irão revolucionar a área em um futuro próximo. A Ciência já é capaz de desenvolver os chamados órgãos-em-chip.
Os órgãos-em-chip são culturas de células extremamente complexas e capazes de simular o funcionamento de órgãos de modo mais próximo que uma cultura de célula tradicional poderia. Esses chips têm os diferentes tipos de célula de um tecido orgânico e pode ser estimulado eletricamente, receber fluxo de fluidos (como sangue) e ter coleta de vários tipos de dados em tempo real, dependendo dos objetivos da pesquisa. Por serem construídos em uma escala nanométrica, quantidades muito pequenas das drogas a serem testadas são necessárias, o que reduz os custos do experimento e permite que várias drogas sejam testadas rapidamente. Além disso, os órgãos-em-chip podem ser construídos para simular doenças.
Pesquisadores já foram capazes de construir um coração-em-chip, capaz de simular batimentos cardíacos, e testar os efeitos de remédios e estímulos elétricos. Eles também conseguiram usar esse coração para estudar efeitos da hipertensão e novos tratamentos para arritmia. Um pulmão-em-chip foi criado para estudo do edema pulmonar, que é o acúmulo de líquido nos pulmões levando a dificuldade para respirar. Os cientistas também desenvolveram um intestino-em-chip, capaz de simular o fluxo de comida e os movimentos peristálticos (que são os movimentos involuntários do órgão). O sistema pode ser usado para estudar os efeitos da microbiota (conjuntos de bactérias que vivem no intestino e que vem sendo cada vez mais estudada devido à sua importância para a saúde). Além disso, ele pode ser usado para o desenvolvimento de tratamentos para apendicite e intolerância à lactose e glúten. Por último, entender como os remédios são absorvidos pelo intestino também é essencial, e o intestino-em-chip poderá ajudar nessa etapa.
Será que em um futuro próximo vamos conseguir juntar diferentes órgãos-em-chip e analisar como um remédio é absorvido pelo intestino-em-chip, como é transportado pelos vasos-em-chip, como é modificado pelo fígado-em-chip e como age no câncer-em-chip? Essa nova “criatura” do Dr. Frankenstein irá nos ajudar, e muito, a testar novos remédios e a diminuir o uso de animais de laboratório em pesquisas da área farmacêutica.
Referência
SELIMOVIĆ, S.; DOKMECI, M. R.; KHADEMHOSSEINI, A. Organs-on-a-chip for drug discovery. Current opinion in pharmacology, v. 13, n. 5, p. 829–33, 2013.
Eu acho que já é possível fazer um certo conjunto de órgãos comunicáveis através de uma circulação que imitaria o sangue. E acho que está caminhando para aumentar a complexidade, ou seja, o número de órgãos no mesmo chip e das possibilidades de teste por consequência. Achei extraordinário, e acho legal divulgar para mostrar as pessoas que existe a preocupação com o uso dos animais e de melhores modelos para testes. Parabéns pelo texto!
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