Pular para o conteúdo principal

[Chute do Nobel T2E2] Quem será o vencedor do Nobel de Fisiologia ou Medicina de 2022?


Prever o vencedor do Nobel não é fácil. Primeiro, porque muitos merecem o reconhecimento do Karolinska Institutet. Segundo, porque não existe um critério matemático definido, e quando a subjetividade entra em campo, as probabilidades se movem drasticamente. De toda forma, prever premiações é um excelente passatempo, então vamos tentar adivinhar quem terá seu nome anunciado em 03 de Outubro!

Separei um nome que, acho, possui boas chances a partir da leitura de reportagens sobre o assunto: Mary-Claire King, por ter identificado nos anos 1990 o gene específico responsável pela hereditariedade do câncer de mama, o BRCA1 (Hall e cols., 1990)

Dra. King buscou identificar e descrever os genes responsáveis pela predisposição hereditária ao câncer de mama e determinar as consequências para as mulheres que carregam as formas mutantes destes genes. Sua pesquisa é diretamente responsável pela prevenção de casos de câncer, bem como por intervenções precisas, salvando incontáveis vidas femininas. Mais: ela trabalhou ativamente para o desenvolvimento de ferramentas baratas de detecção destas mutações (Walsh e cols., 2010).

Entendo, também, que há uma tendência de se reconhecer mais o trabalho de cientistas mulheres. A quantidade de premiadas é, em termos percentuais, muito baixa. Mais do que evoluir na dimensão da equidade de gênero, premiar uma mulher seria um estímulo importante para muitas jovens cientistas.

Há, ainda, o fato social, da ciência que sai do laboratório. Mary-Claire King, já na década de 1980, começou a trabalhar junto das Avós da Praça de Maio, organização argentina de direitos humanos que luta pela localização e identificação de crianças roubadas pela ditadura militar daquele país, bem como punir os responsáveis por estes crimes, e que já conseguiu resolver mais de 100 casos. A Dra. King ajudou a organização com a aplicação de técnicas de sequenciamento genético.

Sua sensibilidade às dores das Avós da Praça de Maio também possui componentes autobiográficos. Na década de 70, foi dar aula na Universidade do Chile como parte de uma parceria entre os chilenos e a Universidade da Califórnia. Porém, Allende foi derrubado pelo golpe militar, então ela e o marido tiveram de ir embora. Posteriormente, ela soube que alguns de seus colegas e alunos foram assassinados pelos militares ou estavam desaparecidos. Foi neste retorno dela que as pesquisas sobre o câncer de mama começaram:

“Retornei a Berkeley mais cedo e mais abruptamente do que esperava, logo após o golpe chileno de 11 de setembro de 1973. Estava desempregada, temerosa por meus alunos (com razão) e completamente desanimada. Pensei em abandonar a ciência. O Dr. Nick Petrakis, da Universidade da Califórina em São Francisco, sugeriu que eu fosse trabalhar com ele até que eu colocasse meus pés no chão. Disse que tinha um problema tão importante e tão complexo que absorveria toda a minha atenção. O problema era: por que algumas famílias são tão severamente afetadas pelo câncer de mama? Comecei a trabalhar no problema em 1º de janeiro de 1974 e nunca mais olhei para trás." (BCRF 2014)

Neste cenário, ela continuou participante de outros projetos de ciência forense, como na identificação de soldados das guerras do Vietnã, Coréia e da Segunda Guerra Mundial, além do apoio ao The United Nations Forensic Anthropology Team na investigação de casos de abusos contra os direitos humano (Elliott 2017).

Sua pesquisa foi além da questão do câncer de mama, com a geneticista investigando uma série de outras condições, como surdez, esquizofrenia, HIV etc. Também esteve envolvida na demonstração de que humanos e chimpanzés são 99 % idênticos geneticamente. Mas será pelo BRCA1 que ela será premiada, inclusive porque as consequências do seu trabalho já estão impactando a sociedade: desde toda discussão sobre os testes genéticos (“Efeito Angelina Jolie”) até a decisão da Suprema Corte Americana em 2013 de que “genes humanos que ocorram naturalmente não podem ser patenteados”, em consequência da tentativa da Myriad Genetics de se tornar a detentora exclusiva dos direitos de pesquisa e desenvolvimento de produtos exatamente utilizando o BRCA 1 (Marshall e Price 2013).

Referências:



Hall, J.M., Lee, M.K., Newman, B., Morrow, J.E., Anderson, L.A., Huey, B., King, M.C. 1990. Linkage of early-onset familial breast cancer to chromosome 17q21. Science. 250(4988):1684-9.


-----
Esse texto foi escrito por Thiago Sant'Anna da Silva, aluno de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Fisiopatologia Clínica e Experimental da Universidade do Estado do Rio de Janeiro como parte da avaliação da disciplina "Prêmios Nobel em Biociências", coordenada pelo professor David Majerowicz

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Não, suco de melão São Caetano não é a cura do câncer

Recebi pelo Facebook um link para uma postagem do blogue Cura pela Natureza . Lá é descrito o poder de uma planta medicinal capaz de curar o câncer, controlar o diabetes e, de quebra, fortalecer a imunidade do corpo. Sinistro, né? A planta em questão é chamada de melão São Caetano ou melão amargo. Conhecida cientificamente como Momordica charantia , essa planta faz parte da família Cucurbitaceae, junto com outras plantas famosas, como a abóbora, o pepino e a melancia. Ela cresce bem nas áreas tropicais e subtropicais da África, Ásia e Austrália, e foi trazida ao Brasil pelos escravos. O texto cita o Dr. Frank Shallenberger, dos Estados Unidos, que seria o descobridor dos efeitos medicinais da planta. Fui então atrás das pesquisas publicadas pelo Dr. Shallenberger para saber mais sobre os poderes do melão São Caetano. E descobri que ele nunca publicou nenhum trabalho científico sobre a planta (na verdade, ele nunca publicou qualquer coisa!). Como que a

Não, a fosfoamina não é (ainda) a cura do câncer

Em agosto desse ano, uma reportagem do portal G1 mostrou a luta de pacientes com câncer na justiça para receber cápsulas contendo o composto fosfoamina (na verdade, fosfoetanolamina) que supostamente curaria a doença. O “remédio” era produzido e distribuído pelo campus da Universidade de São Paulo na cidade de São Carlos, mas a distribuição foi suspensa por decisão da própria reitoria, já que o composto não é registrado na ANVISA (todo remédio comercializado no país deve ser registrado) e não teve eficiência comprovada. Porém, alguns dos pacientes tratados com a fosfoamina relatam que foram curados e trazem exames e outras coisas para provar. Segundo o professor aposentado Gilberto O. Chierice (que participou dos estudos com a substância), “A fosfoamina está aí, à disposição, para quem quiser curar câncer”. Mas, vamos devagar, professor Gilberto; se a fosfoamina realmente é a cura para o câncer, por que não foi pedido o registro na ANVISA? O Governo Federal poderia produzir gran

Dr. José Roberto Kater e o ovo: vilões ou mocinhos?

Ontem, eu recebi pelo Facebook um vídeo de uma entrevista com o Dr. José Roberto Kater onde ele comenta sobre os benefícios do ovo na alimentação. Porém, algumas coisas me soaram um pouco, digamos, curiosas (na verdade, em pouco mais de três minutos de vídeo poucas coisas pareceram normais (o vídeo completo está disponível no fim do texto)). O Dr. Kater é, segundo a Internet, médico, obstetra, nutrólogo, antroposófico (a medicina antroposófica é um ramo alternativo com base em noções ocultas e espirituais), homeopata, acupunturista e com mais algumas outras especialidades. Porém, não é cientista, já que não tem currículo cadastrado na Plataforma Lattes (do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento, CNPq) ou assina qualquer artigo científico indexado em banco de dados internacional. Para mim, o cara pode dizer que é o Papa, eu não vou acreditar nele de primeira. As informações científicas estão disponíveis e eu fui pesquisar para entender se o Dr. Kater é um visionário ou ch