Quem leu? o/ (Fonte: bibliotecapublicadeitapiuna.blogspot.com.br) |
Quem nasceu na década de 1980
provavelmente leu na escola, como livro paradidático, “A Droga da Obediência”,
“A Droga do Amor” ou algum outro livro infanto-juvenil sobre “Os Karas”,
escrito pelo Pedro Bandeira. (Ainda hoje eu conseguiria ler alguma coisa
escrita em Código Vermelho ou traduzir uma mensagem no Código Tênis-Polar, mas
deixa para lá...). Bandeira nunca escreveu “A Droga da Inteligência”. E se
fosse se basear em algum remédio existente, pelo jeito, não conseguiria.
Nessa postagem, a terceira e
última sobre o dopping cerebral, vou descrever o (pouco) que consegui descobrir
sobre os possíveis efeitos da Fluoxetina (o famoso Prozac), do Piracetam e da
Vasopressina sobre a capacidade de aprendizado de pessoas sadias. Se você está pegando
o bonde andando, pode ler a primeira e a segunda postagens da série. O Prozac é
um conhecido antidepressivo que funciona (mais uma vez) sobre a quantidade de
neurotransmissores (substâncias usadas na comunicação entre os neurônios) presentes
no cérebro. Mais precisamente, essa droga impede que as células reabsorvam a
serotonina (um dos muitos neurotransmissores existentes) liberada e isso faz
com que os níveis de serotonina aumentem. Já o Piracetam regula a atividade dos
receptores de glutamato, ou seja, de proteínas presentes na membrana das
células que sentem o quanto desse neurotransmissor está presente e passam a
informação para dentro da célula. Esse remédio é indicado para pessoas com
sintomas de mioclonia, ou seja, movimentos involuntários e repentinos de
músculos. Por último, a Vasopressina é, na verdade, um hormônio produzido pelo
corpo e que regula várias funções do organismo, principalmente a pressão
arterial. Mas ele também age no cérebro e está envolvido com comportamento social
e maternal, e motivação sexual.
Concentração = 0; Memória = 1; E aprendizado? (Fonte: Facebook) |
E algum desses remédios podem te
deixar mais inteligente? Infelizmente, parece que não, embora os estudos sobre
os efeitos deles sobre pessoas saudáveis são, de modo geral, bem antigos. Por
incrível que pareça, eu não conseguir achar nenhuma pesquisa sobre o efeito do
Prozac sobre a capacidade de aprender ou qualquer outro parâmetro cognitivo em
pessoas sadias. Além disso, existem muitos alertas sobre os efeitos colaterais
do Prozac, principalmente o risco elevado de suicídio em pessoas com menos de
25 anos. Sobre o Piracetam, encontrei apenas um trabalho publicado em 1990 e
com resultado negativo: a droga não teve nenhum efeito sobre a memória ou
processamento de informações em pessoas sadias. Somente a Vasopressina se sai
um pouco melhor. Um trabalho publicado em 1998, juntando dados de diferentes
outras pesquisas, concluiu que esse hormônio parece melhorar a memória
declarativa, mas não tem efeitos sobre a atenção ou outros parâmetros
cognitivos. Porém, a Vasopressina deve ser administrada de forma intranasal, para
agir mais diretamente no cérebro. Além disso, outros trabalhos não conseguiram
ver nenhum efeito desse hormônio sobre qualquer parâmetro.
Juntando tudo o que eu pesquisei
nessas três postagens, a que conclusões podemos chegar? O doping cerebral
realmente funciona? Basicamente, não. As anfetaminas, a Ritalina e o Piracetam
parecem não ter nada além de efeito placebo. Os efeitos do Donepezil e da
Vasopressina ainda são controversos. E não existe informação científica alguma
sobre a ação do Aniracetam, da Selegilina ou do Prozac (o que me faz pensar de
onde tiraram as ideias para o esquema acima). Somente o Modafinil tem
apresentado de forma constante efeitos positivos sobre a atenção e memória, mas
não sem efeitos colaterais.
Mas o dopping cerebral nunca vai
ser possível? Bem, como minha avó dizia: “O futuro a Deus pertence.”. Mas eu acho
que será sim. Com os avanços da ciência farmacêutica e das pesquisas básicas
sobre o funcionamento do cérebro, podemos chegar, ativamente ou por acaso, a
uma nova droga que efetivamente aumente a capacidade cognitiva geral das
pessoas. Creio que o problema não vai ser descobrir um meio artificial de
melhorar o nosso cérebro; a grande questão será ética: devemos ou não dopar a
nossa cabeça?
Quando vamos assistir uma
competição esportiva, esperamos que todos os atletas estejam sob a mesma
condição: usando músculos, destrezas e técnicas naturalmente desenvolvidas à base
de muito treinamento. Levar vantagem usando substâncias para desenvolver alguma
capacidade de modo fácil e artificial é considerado (e é) desonesto com os
outros competidores e com o público. Mas e quando não há competição direta?
Quando as pessoas estão trabalhando e pensando para desenvolver soluções para
problemas sociais ou científicos, tentando fazer do mundo um lugar melhor para
se viver (um pouco de sonho não faz mal...)? Deveríamos impedi-las de usar uma
substância que as ajudem essas tarefas? Em minha opinião, não.
Mas as coisas vão ficando cada
vez mais complicadas. E quando for uma competição “cerebral”? Um vestibular,
por exemplo. Vamos impedir os candidatos de usar o melhoramento cognitivo e
pedir uma amostra de urina durante a prova para realizar um exame antidoping?
Ou vamos permitir? E se a droga for cara e só as classes mais altas tiverem
acesso a ela? Vamos permitir o aumento na disparidade de oportunidades entre as
classes sociais mais abastadas e as mais pobres? Ou vamos garantir que o SUS
distribua o potencializador cerebral para quem não pode pagar?
As questões vão profundas e as
consequências são importantes. Mas vamos todos ter que estar preparados
para quando “A Droga da Inteligência” chegar.
Comentários
Postar um comentário