Recentemente, um trabalho
publicado na revista Proceedings of the
National Academy of Sciences of the United States of America (ou PNAS para
os íntimos) causou sensação na mídia e na Internet por descrever que bactérias
eram capazes de absorver e usar DNA de um mamute (obviamente morto há muito
tempo). Mas, em algum ponto, o objetivo desse importante trabalho com a
participação de cientistas de diferentes países se perdeu nas notícias (ou os
jornalistas só leram o resumo do trabalho...). O mamute é um detalhe e, em
minha opinião, é até um experimento falho no trabalho. Mas bem, vamos ao que os
pesquisadores estudaram.
Moléculas de DNA estão presentes
em qualquer ambiente natural que você olhar. Elas são liberadas das células
durante a decomposição natural da matéria orgânica morta. E podem ficar
milhares de anos soltas por aí. Mas não inteiras. O DNA fora das células sofre
diversos danos, tanto químicos quanto físicos, é fragmentado e tem a sua
sequência original modificada (ou seja, sofre mutações). Consequentemente, os
pedaços de DNA no ambiente têm em torno de 100 pares de bases (uma sequência de
100 A, T, C e G; como cada molécula de DNA tem duas fitas – ou seja, duas
cadeias dessas “letras” que se complementam –, cada letra é chamada de par de
bases; é assim que o tamanho de um DNA é medido). Quanto é isso? Para
comparação, o tamanho médio dos genes humanos é de 3.000 pares de bases (mas o
maior, o gene da distrofina, tem 2,5 milhões de pares de base!). Já se sabia
que as bactérias são capazes de pegar DNA grandes do ambiente, mas não se elas
conseguiriam usar DNA fragmentado e modificado que fica disponível naturalmente.
As bactérias estudadas foram
capazes de incorporar ao seu próprio genoma sequências muito pequenas, de até
20 pares de bases. Além disso, os cientistas forçaram danos nesse DNA, usando regentes
químicos. Mas ainda assim as bactérias foram capazes de usar esse DNA, mesmo
meio baleado. Depois, estudando no computador os genomas de bactérias já
sequenciados, os pesquisadores encontraram indícios de que a presença de
pequenas modificações no genoma é mais frequente nas bactérias que conseguem
capturar DNA do ambiente quando comparadas com as que não têm essa capacidade.
Isso mostra que o que foi visto dentro do laboratório pode ter ocorrido durante
o processo de evolução e ainda pode está acontecendo mundo afora.
Esse estudo aponta para um
cenário bem interessante, tanto na questão evolutiva quanto em relação à saúde.
Primeiro, esse processo deve ter sido importantíssimo durante os primeiros
passos da vida no planeta, ajudando a causar rápidas modificações nos genes dos
micróbios primitivos, aumentando a diversidade e acelerando a evolução. Além
disso, os modelos de computador que tentam prever a evolução molecular e a
genética de populações (ou seja, como os genes vão se distribuindo em grupos de
seres vivos com o passar das gerações) não levam em conta esse processo e podem
ser imprecisos. Com mais estudos, esse novo meio de aquisição de DNA poderá ser
incluído nesses programas e os tornar mais eficientes. Em relação à saúde,
dezenas de milhares de toneladas (sim, TONELADAS) de DNA são liberadas apenas
nos rios do mundo. E apenas duas modificações genéticas seguidas podem aumentar
a resistência a antibióticos em uma bactéria que causa doença. Assustador, não?
O impacto da exposição de bactérias à DNA fragmentado em ambientes
hospitalares, por exemplo, precisa ser estudado.
Mas não esqueci o mamute! Só
deixei para o final, mas não por ser mais importante. Para tentar mostrar que
as bactérias são capazes que pegar um DNA naturalmente fragmentado e
modificado, os cientistas pegaram um grande osso de mamute que estava dando
sopa por lá e purificaram o DNA presente. Colocaram esse DNA junto com as
bactérias e conseguiram uma bactéria diferente. Apenas uma! Isso é muito pouco
nesse tipo de experimento, logo, me parece muito pouco convincente! Os outros
experimentos já mostram muito bem que as bactérias aproveitam o DNA detonado do
meio, mas tentar me empurrar uma (apenas uma!) bactéria transformada com DNA de
osso de mamute me cheira a publicidade e não a rigor científico!
Mas isso não diminui a
importância do trabalho publicado, de modo algum. Mostra apenas que tem gente
escrevendo (ou copiando) na Internet sem ler e divulgando patavinas por aí.
#estamosdeolho
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