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E se um gene fizesse você comer mal?

Deu água na boca? (Fonte: pensamentosdaana.blogs.sapo.pt)
É comum dizer que as pessoas mais cheinhas (tipo eu) são culpadas pelo seu peso, já que normalmente comem mal (ou muito) e vivem se enchendo de lanches rápidos, doces e outros tipos de comidas não nutritivas – as chamadas calorias vazias. Mas e se uma variação em um gene presente no gordinho fosse a verdadeira culpada? Um estudo feito com crianças por cientistas do Canadá, do Brasil, dos Estados Unidos e de Singapura, que já está disponível na versão on-line da revista Appetite, pode indicar nessa direção.

Não só o quanto você come como também o que você tem vontade de comer é controlado pelo seu cérebro. E nós ficamos felizes e satisfeitos quando comemos algo que queríamos. Esse é o sistema de recompensa do cérebro.
(Vai falar que você não se sente recompensado quando come uma barra de chocolate? #quemnunca)
Uma substância produzida pelas células no cérebro – chamada dopamina – participa desse sistema e é liberada na cabeça nesses momentos. A dopamina está envolvida com a recompensa de comida e com os hábitos de refeição, mas também com a recompensa de pessoas que usam drogas.
(Mas bem, esse é outro assunto...)
Por exemplo, comidas doces ou gordurosas aumentam a liberação de dopamina no cérebro. Mas como as células sabem o quanto de dopamina está presente no cérebro? As células possuem em sua membrana um sensor específico – um receptor de dopamina – que “avisa” o quanto temos de dopamina.

Esse receptor de dopamina é uma proteína. E como toda proteína, ela é codificada por um gene. Mas as pessoas não são iguais, geneticamente falando – a não ser gêmeos idênticos. Imagine então que uma pessoa tem um gene modificado, que produz um receptor de dopamina que é um pouco menos sensível, ou seja, precisa existir mais dopamina para que ele possa sentir e avisar às células do cérebro. Coisa boa não pode sair, certo? De fato, o sistema de recompensa pode ficar desregulado.

Algumas pessoas efetivamente possuem um receptor de dopamina menos sensível, que é chamado de 7R. E esse receptor já foi apontado como culpado por distúrbios alimentares em adultos. Mas, pela primeira vez, os pesquisadores foram avaliar os efeitos da presença dessa variação em crianças.

Para isso, os cientistas estudaram 150 crianças canadenses de quatro anos de idade, de duas formas. Nesse grupo, mais ou menos duas em cada cinco crianças tinha um gene 7R. Primeiro, eles ofereceram um lanche entre o café da manhã e o almoço para elas. O cardápio era variado e incluía de maçã e suco de laranja até ovo cozido e queijo Cheddar, passando por flocos de milho (é, esse mesmo, do tigrinho) e leite semidesnatado. As crianças podiam comer o que quisessem, o quanto quisessem, por meia hora. Os pesquisadores viram que as meninas, mas não os meninos, que têm o gene variante 7R comem mais gordura e proteína do que as que não têm.

Depois, as mães das crianças responderam um questionário sobre os hábitos alimentares dos pimpolhos. As crianças que têm o gene 7R comem regularmente mais sorvete, e menos vegetais, ovos, castanhas e pão integral do que as que não têm. Esses resultados indicam que a presença do gene variante pode levar a criança a ter uma tendência a escolher alimentos mais doces e gordurosos. Talvez por uma desregulação no mecanismo de recompensa de dopamina.

Os autores do estudo alertam que poucas crianças foram analisadas e que o experimento precisa ser ampliado. Incluir mais crianças vai permitir generalizar as conclusões obtidas. Mas esses resultados já indicam que o padrão de escolha de comida pelas crianças ainda novinhas pode ter alguma influência dos genes que ela carrega. Isso pode ajudar a prevenir a obesidade e a má alimentação desde cedo. E mostra que talvez um gordinho precise de um pouco mais do que força de vontade para evitar as guloseimas!

P.S.: O trabalho original (em inglês) pode ser baixado aqui. O acesso é pago, mas você pode conseguir de graça em uma biblioteca de Universidade que tenha acesso ao Portal Periódicos CAPES do Governo Federal. 
P.S.S.: Uma reportagem sobre esse trabalho (em inglês) foi publicada no site Genetic Engineering & Biotechnology News, que conta, inclusive, com declarações da primeira autora, Patrícia Silveira, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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