Acabamos de sair das comemorações
de Natal e provavelmente você passou por essa situação: uma mesa bem farta, com
diferentes quitutes, como um lombo de porco bem suculento assado na cerveja
preta, um peru bem dourado com arroz à grega ou um bacalhau preparado à moda
portuguesa. E claro, rabanadas com bastante açúcar e canela, torta alemã, pavê
de limão e sorvetes diversos para sobremesa. Deu água na boca, só de imaginar?
Repare que eu não te mostrei uma foto ou enviei um cheirinho por aqui. Você só
imaginou. Como isso acontece? Como ficamos salivando só de ver a mesa posta,
mas sem poder comer antes da meia-noite (senão a sua tia tradicional vai fazer
bico)? E, talvez mais importante, por que isso acontece?
Ivan Pavlov (Fonte: Wikipedia) |
Salivar só de ver comida é um
reflexo condicionado, estudado desde muito tempo. Na virada do século XIX
para XX, o cientista russo Ivan Pavlov,
que trabalhou na Universidade de São Petersburgo, se debruçou sobre esse
problema com experimentos hoje clássicos da fisiologia. Vou descrever aqui o considerado
mais importante. Pavlov usava cachorros como modelo experimental.
Primeiramente, Pavlov mediu a secreção de saliva dos seus cachorros.
Obviamente, a quantidade de saliva produzida aumentava quando eles eram
alimentados. Depois, Pavlov começou a alimentar os animais junto com um
estímulo independente da comida (classicamente o toque de um sino). Por fim,
Pavlov tocou apenas o sino, sem dar comida aos cachorros. Resultado: a produção
de saliva aumentava! Ou seja, o cão associou o som do sino com a comida e assim
começava a babar mesmo sem nenhum sinal direto da comida. E Pavlov não parou
aí: ele mostrou que o mesmo acontecia quando ele media a secreção de suco
estomacal ou de enzimas digestivas do pâncreas. Todo o sistema digestivo do cão
estava esperando a ração! Pavlov também provou que esse condicionamento depende
do sistema nervoso: quando ele cortava cirurgicamente nervos específicos do
corpo do cachorro, a relação não era feita. Os resultados foram publicados no
livro “The Work of the Digestive Glands” (O Trabalho das Glândulas Digestivas,
em tradução livre) e deram a Pavlov o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia em
1904.
Localização do hipotálamo (Adaptado de Organsofthebody.com) |
Esses experimentos foram feitos há
mais de 100 anos. Hoje sabemos que isso é verdade para muitos (senão todos) os
mamíferos estudados, incluindo a gente. Mas como isso acontece? Os estímulos
externos, como a visão da comida ou o aroma dela, agem sobre o cérebro,
ativando o trabalho de uma região específica, chamado de hipotálamo. O
hipotálamo, por sua vez, passa a informação para o centro salivar. Esse último
controla a produção de saliva nas diferentes glândulas salivares presentes na
nossa boca. Mas como Pavlov mostrou com os cachorros, o cérebro não controla
apenas a secreção de saliva nesse caso. Apenas falar sobre comida aumenta a
produção de ácido gástrico no estômago, a liberação de enzimas digestivas, a
motilidade do intestino, a secreção de bile pela vesícula e de diferentes
hormônios produzidos no sistema digestivo, além de aumentar a temperatura do
corpo.
Mas bem... Por que isso acontece?
Por que só de ver um prato de feijão com arroz, meu cérebro dispara toda essa
bagunça? Na verdade, você já está digerindo a comida que ainda nem comeu. Seu
cérebro está preparando sua barriga para o que está por vir. Essa é a chamada
fase cefálica (cerebral) da digestão. E para quê? Por que não esperar
simplesmente a comida chegar à boca?
Nós comemos em refeições pontuais
e não o tempo todo. (Ok, talvez algumas pessoas, e eu me incluo, comam o tempo
todo, mas a maioria não.) Com isso, a comida entra no corpo em grandes
quantidades em um espaço de tempo pequeno, e isso é um desafio para o nosso
sistema digestivo e metabólico. O sistema digestivo e outros órgãos envolvidos
como fígado, rim e tecido adiposo estão constantemente mudando seu metabolismo
para lidar com a presença de comida seguida por um período de jejum entre as
refeições. E essas mudanças metabólicas levam tempo. Mas o tempo entre a comida
sair da boca e chegar ao estômago é de apenas 10 segundos. É muito pouco tempo
para o corpo reagir! Dessa forma, essa capacidade do cérebro de antecipar o que
está por vir melhora a eficiência com que a gente digere a comida, e absorve e
metaboliza os nutrientes liberados, e foi selecionada ao longo da nossa
história evolutiva.
Agora você não vai mais sentir
água na boca no Natal da mesma forma! :)
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