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Sejam meus hóspedes!


A Ponte do Saber  (Fonte: pt.m.wikipedia.org)
A Ponte do Saber foi inaugurada em 2012 e levou dois anos para ser construída. Uma ponte projetada em design estaiado que liga a Ilha do Fundão – onde está a Cidade Universitária, maior campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro – ao continente, através da Linha Vermelha. Uma ligação que representa muito bem o atual cenário da Ciência, de modo geral. A Ponte do Saber é uma via de mão única, sentido Universidade – Resto do Mundo. A Ponte do Saber despeja carros na Linha Vermelha; A Universidade despeja conhecimento no Resto do Mundo. Mas a via é de mão única: ninguém de fora é convidado a entrar!

Os cientistas se isolaram dentro das suas universidades e centros de pesquisas; suas Torres de Marfim. Torres de preferência bem protegidas: altas palhiçadas e com aquele fosso cheio d’água e lendários crocodilos que cercavam os castelos medievais.

(Eu queria saber onde os senhores feudais da Europa encontravam crocodilos para colocar nos fossos. Mas bem...)

E fossos sem ponte levadiça, para evitar quaisquer batidas no portão. O resto da população, leiga, fica do lado de fora, observando a Torre. Alguns olham e admiram, outros atiram pedras; ninguém faz ideia do que acontece dentro da Torre. E aí a mente da população fantasia.

Mary Shelley (Fonte: pt.m.wikipedia.org)
Em 1818, Mary Shelley escreveu o famoso romance “Frankenstein”, onde um cientista excêntrico dá vida a um gigantesco corpo inanimado criado por ele. Quase 80 anos depois, H. G. Wells publicou “A Ilha do Doutor Moreau”, onde esse pesquisador macabro criava monstros com formas humanas juntando e misturando pedaços de animais vivos. Os cientistas são retratados, em grande parte das vezes, como egoístas e loucos, apenas preocupados com seus experimentos e ignorando o mundo que acaba ameaçado pelas suas criações insanas.

(Fazendo justiça, algumas vezes eles salvam o mundo, como em “Independence Day”, mas isso não é tão lembrado.)

Mas a distância entre população e cientista nem sempre foi grande. Uns dos principais marcos da História da Biologia é a publicação de “A Origens das Espécies”, de Charles Darwin. A primeira edição do livro esgotou no dia da publicação, em 1859. Vendido para a população em geral! É claro que há 150 anos, ser alfabetizado já era um indicativo de alta cultura. Mas hoje, as áreas das Ciências são tão específicas e os avanços tão complexos que a Física de Partículas e a Teoria das Supercordas são incompreensíveis para mim, doutor em Bioquímica. Assim como estudos de mecanismos de regulação da expressão gênica deve ser literatura de ficção para um matemático especializado em ciência atuarial.

H. G. Wells (Fonte: en.wikipedia.org)
Então como resolver o impasse? Como transformar a Ponte do Saber em uma via de mão dupla?

Esse blog pretende humildemente ser a porta da Torre de Marfim. E eu me proponho a ser o porteiro, o mordomo e o anfitrião. E todos vocês estão convidados a serem meus hóspedes e ficarem a tempo que quiser na Torre.

Confesso que, talvez, o principal empurrão para que eu abrisse a Porta de Marfim tenha sido a invasão de outra Torre: o Instituto Royal. Esse episódio deixou claro aos meus olhos pelos menos duas coisas: (1) que não temos hoje mais nenhuma possibilidade de testar em território nacional qualquer remédio que possa vir a ser desenvolvido pela nossa ainda incipiente indústria farmacêutica; e (2) as pessoas não fazem a menor ideia de como a Ciência é feita e de como ela é essencial. Para muitos, os cientistas são todos misturas de Victor Frankenstein com Moreau, fazendo experimentos bizarros, trancados em suas Torres.

Não mais! Agora a porta está aberta!

Como eu espero que a Porta funcione? Sou professor da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e, como disse antes, doutor em Bioquímica. Mas como um castelo não se mantém com um cicerone só, eu estarei ativamente buscando outros serventes para atendê-los e espero que outras portas possam ser destrancadas. Esse blog será a porta principal. Aqui estarão as postagens mais importantes, onde espero comentar notícias da mídia especializada (ou não), explicar artigos científicos de modo que possa ser entendido e responder perguntas que vocês mandem (e que estejam ao nosso alcance responder, é claro!). Por exemplo, adoro aqueles e-mails correntes enviados por uma tia (todo mundo tem uma tia assim) que dizem coisas do tipo “Benefícios do chá verde contra todas as doenças” ou “Leite de alpiste (hein?) reduz o colesterol”. Se você receber esse tipo de informação e se perguntar “Será que é verdade?”, mande para a gente.

(Acho que vou me arrepender de ter escrito isso...)

Essa não é a única porta aberta. Mas temos poucas. Um levantamento publicado na página da revista Pesquisa FAPESP - que a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - mostrou que existem menos de 100 blogs de divulgação científica ativos no Brasil, sendo que um quarto deles estão ligados à mídia tradicional. Esses espaços estão principalmente voltados para biologia, física e psicologia. É muito pouco! Precisamos de mais e de um maior alcance. E é assim que espero que A Porta de Marfim contribua.

Teremos, se possível, uma frequência mínima de um post por semana. Mas não será o único acesso! Teremos uma janela, uma página no Facebook para links interessantes que apareçam na Internet, avisos para atualizações no blog e o que mais surgir. Curtam a página! E teremos um buraco de fechadura! Um perfil no Twitter para notícias urgentes! Sigam a gente!

Por último, serei todo ouvidos para vocês! Deixem comentários com sugestões para assuntos a serem abordados abaixo, por e-mail, via Facebook ou Twitter. E, por favor, sejam meus hóspedes e fiquem a vontade para explorar a Torre o quanto quiserem. Tomara que a Claudia Leitte aceite o convite. Posso tentar ensinar um pouco de bioquímica...

Ai, ai... (Fonte: Facebook de alguém)

David Majerowicz

Comentários

  1. Estamos divulgando nosso livro sobre Animais de Laboratório.
    http://www.amazon.com/dp/B00GKNPVWI

    ResponderExcluir
  2. Excelente iniciativa!
    Embora a razão deste afastamento não seja simplesmente causada pela comunidade científica (penso que muito mais pela falta de vontade de aprender endêmica no povo deste país), qualquer tentativa de melhoria é mais que bem vinda e alvissareira.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. De fato acredito que haja um pouco de preguiça de aprender. Mas contribuímos para aumentá-la quando os trancamos na Torre ou falamos bem difícil e cheio de linguajar técnico...

      Excluir

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