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(Fonte: gastro.com.br) |
É comum vermos na televisão ou na Internet reportagens divulgando pesquisas científicas que teriam descoberto o gene da obesidade. Isso passa a impressão que o peso do nosso corpo é simplesmente regulado por um único gene, que herdamos dos nossos pais. Mas é fácil perceber que isso não faz sentido. Se a vida fosse simples assim, todo filho de um casal obeso necessariamente seria obeso. Mas eu acredito que você conhece pelo menos um caso que contraria essa regra e derruba a nossa hipótese. Resumindo: não posso colocar a culpa do meu excesso de peso só nos meus genes. Essa frase diz tudo: “os genes carregam a arma, mas o ambiente puxa o gatilho”.
Mas, é claro que os genes também têm culpa no cartório. Por exemplo, quando pesquisadores estudaram gêmeos idênticos (que têm exatamente a mesma composição genética) e não idênticos (que são tão parecidos entre si como quaisquer irmãos) descobriram que os gêmeos idênticos têm peso mais parecido entre si do que os não idênticos. Ou seja, supondo que os irmãos foram criados numambiente igual, a culpa deles serem mais gordos (ou mais magros) deve ser dos seus genes.
Hoje, o gene mais comumente associado à obesidade é o que codifica o receptor de melanocortina 4 (ou MC4R). Quando você já comeu o suficiente, diferentes partes do seu corpo (como o estômago, intestino e pâncreas) mandam sinais para o seu cérebro avisando do fato. Esses sinais chegam a neurônios em uma região do cérebro chamada hipotálamo e eles começam a produzir uma proteína chamada hormônio estimulador de α-melanócito (ou α-MSH). Esse hormônio indica saciedade e passa uma mensagem simples: pare de comer! Como? Ele age através do MC4R em neurônios do cérebro. E aí está o problema. Se uma pessoa tem esse receptor defeituoso, de modo que ele funcione menos que o normal, ela vai acabar comendo mais que as pessoas com um receptor plenamente funcional, e assim vai acabar engordando. E, em longo prazo, ficando obesa. Por isso, o MC4R está ligado à obesidade.
A mesma lógica se aplicaria a indivíduos que tenham menos MC4R no cérebro por qualquer motivo. Isso foi recentemente investigado por cientistas de Singapura em um trabalho publicado na revista “The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism”. Nesse estudo, os pesquisadores sequenciaram o promotor do gene MC4R de quase 300 crianças asiáticas com sobrepeso ou obesas. O promotor de um gene é um pedaço do próprio DNA que regula a expressão do gene, ou seja, funciona como um disjuntor, ligando ou desligando o gene. A hipótese era que problemas nesse promotor poderiam deixar o gene MC4R menos ativo, fazendo do que a crianças comesse mais.
E de fato os cientistas encontraram pelo menos duas novas mutações na sequência do promotor do gene MC4R em crianças obesas. Os promotores com mutações são menos eficientes em ativar genes quando estudados em cultura de células, o que explicaria a obesidade. Porém, isso não explica tudo. Nas famílias onde as mutações foram encontradas, elas não estão necessariamente correlacionadas com o excesso de peso. Ou seja, indivíduos magros na família também tinham o promotor mutado.
Esses resultados deixam claro que a explicação da obesidade vai além de um único gene. Ela envolve diferentes genes e fatores ambientais e talvez nós nunca iremos desvendar tudo o que está por traz dessa doença.
Referência
TAN, K. M.; OOI, S. Q.; ONG, S. G.; KWAN, C. S.; CHAN, R. M.; POH, L. K.; MENDOZA, J.; HENG, C. K.; LOKE, K. Y.; LEE, Y. S. Functional characterization of variants in MC4R gene promoter region found in obese children. Journal of Clinical Endocrinology and Metabolism, 99 (5): E931-5, 2014.
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