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[Blogue do Rodrigo] Relação dengue hemorrágica e ... alergia ???



Verão no Brasil. O que, além de praia, é mais que certo nessa época do ano? Epidemia de vírus da Dengue. Conhecido de muitos, a dengue é uma doença viral muito preocupante do ponto de vista de saúde pública. Quem já teve, sabe: cansaço, dor no corpo, febre, mal-estar. Incapacitante realmente. Em certos indivíduos, há o aparecimento de sintomas ainda mais perigosos, como hemorragia, edema, coma e possivelmente morte. Quadros graves de dengue são conhecidos como febre da dengue hemorrágica. Não se sabe ao certo os fatores envolvidos com esta forma agressiva da doença. Com isso, a taxa de pacientes que morrem por dengue hemorrágica segue alta. A pergunta fundamental é: como a dengue hemorrágica se desenvolve?

Foi essa pergunta que cientistas de Singapura e dos Estados Unidos tentaram responder. Eles focaram em um tipo de célula sanguínea que está associada ao quadro de alergias severas: os mastócitos.  Essas células circulantes apresentam grânulos em seu citoplasma repletos de enzimas e substâncias capazes de interagir com os vasos sanguíneos, um dos tecidos mais afetados na dengue hemorrágica.
Os cientistas observaram, em humanos e em camundongos, que uma enzima produzida pelos mastócitos está aumentada em indivíduos infectados com o vírus da Dengue. A triptase é uma protease, ou seja, uma enzima que tem por função quebrar a estrutura de outras proteínas. A liberação de triptase por mastócitos em indivíduos com o vírus da dengue promove a alteração na junção de células endoteliais, as barreiras dos vasos sanguíneos. Essas junções servem como o cimento que une os tijolos de uma parede bem justa, impedindo assim que o sangue saia para fora da corrente sanguínea. Com a liberação de triptase, as barreiras ficam abertas, permitindo o extravasamento de sangue do vaso para os tecidos, processo denominado de hemorragia. Importantemente, o tratamento de camundongos infectados com o vírus da dengue com um inibidor de triptase conseguiu impedir o desenvolvimento de choque causado pelo extravasamento de plasma, uma das principais causas de morte em humanos com dengue hemorrágica. Esse resultado é um importante indicador de futuros tratamentos para a dengue hemorrágica em humanos.

Os pesquisadores não descartam que outros fatores possam estar envolvidos com o desenvolvimento de dengue hemorrágica. Entretanto, reforçam a importância da triptase como um importante agente envolvido com o desenvolvimento dessa doença. Outra observação é: será que indivíduos mais alérgicos tem maiores chances de desenvolverem dengue hemorrágica? Os cientistas ainda não são capazes de fazer essa afirmação. De qualquer forma, esse trabalho traz um avanço importante para uma doença relevante no nosso país, possivelmente trazendo novos tratamentos em médio e longo prazos. Boaaaa!

Referência:

Rathore A.P.S. et al, Dengue víruselicited tryptase induces endothelial permeability and shock. J ClinInvest, 2019.

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