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[Blogue do Sobrinho] Um grande salto para a humanidade?



Talvez você já tenha ouvido a frase: “...um pequeno passo para um homem, um grande salto para humanidade”. Se não ouviu, pode ouvir aqui a fala atribuída a Neil Armstrong ao dar seu primeiro passo na Lua (o áudio está em inglês: “...one small step for a man, one giant leap for mankind.”). Em julho de 1969 algo em torno de 650 milhões de pessoas assistiram pela TV a “chegada do homem a Lua”, acontecimento que é resultado do esforço estadunidense em atingir este que foi um dos objetivos definidos como meta nacional em 1961 pelo então presidente dos Estados Unidos John F. Kennedy. A Apollo 11 foi a primeira, dentre as muitas missões realizadas como parte do programa Apollo, que conseguiu atingir o ambicioso sonho do governo dos EUA de “levar o homem a Lua”. Lançada em 16 de julho de 1969 de Cape Kennedy e tripulada por: Neil Armstrong, Michael Collins e Edwin “Buzz” Aldrin, a Apollo 11 tinha como objetivos a exploração científica da lua, a instalação de uma câmera de TV para transmitir sinais a terra e de um refletor de laser, experimentos relacionados ao estudo do vento solar, experimentos sísmicos, além de coletar amostras materiais da superfície da Lua. Após viajar por uma distância de aproximadamente 384.400 Km, o que equivale a percorrer um campo de futebol de um gol ao outro 4 milhões de vezes, ou ainda aproximadamente 3.500 viagens de ida e volta entre as estações Santa Cruz e Central do Brasil da Supervia no Rio de Janeiro (com base na distância fornecida pelo Google Earth), a uma velocidade de aproximadamente 40.234 Km/h, que é em torno de 671 vezes maior que a velocidade máxima de um ônibus de transporte urbano, a Apollo 11 pousa em solo lunar no dia 20 de julho de 1969. A ciência que levou a NASA a Lua é a mesma desenvolvida no século XVII com as Leis de Newton, e os levou até lá outras vezes, com as missões:
Missão
Data de lançamento
Data de pouso em solo lunar
Apollo 12
14 de Novembro de 1969
19 de Novembro de 1969
Apollo 14
31 de Janeiro de 1971
5 de Fevereiro de 1971
Apollo 15
26 de Julho de 1971
30 de Julho de 1971
Apollo 16
16 de Abril de 1972
20 de Abril de 1972
Apollo 17
7 de Dezembro de 1972
11 de Dezembro de 1972
 
De fato é uma conquista e tanto, no entanto até que ponto essa conquista pode ser atribuída a humanidade? O que expressões como “chegada do homem à Lua”, “primeiro passo do homem na Lua”, “cinquenta anos da ida do homem à Lua”, e outras mais que enfatizam o acontecimento como uma conquista a ser celebrada por todos, querem transmitir e reforçar?

Fazer ciência está muito longe da neutralidade que diz ter, enquanto inserido nos contextos dinâmicos das relações humanas, a ciência (que antes de tudo é feita por cientistas, que são pessoas) está sujeita às pressões sociais. Segundo RIBEIRO e BAIARDI:
Contemporaneamente, a partir da clássica obra de Robert King Merton (2008), praticamente se estabeleceu consenso de que a produção científica teria inúmeras determinantes, inclusive sociais e políticas. (RIBEIRO, Maria; BAIARDI, Amilcar. 2014)
O desenvolvimento tecnocientífico sempre esteve a mercê do processo histórico. Isto é, questões como: “o que pesquisar?”; “em quais áreas dedicar tempo e esforço?”; “em que tecnologias investir?”, eram (e são) decididas de acordo com os interesses de quem detém os meios, recursos e/ou poder de decisão.

Após a Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945) o cenário na Europa é devastador, um altíssimo número de perdas humanas, terras devastadas e uma economia capengante. Era claro que o desafio agora era reconstruir a ordem internacional a partir das cinzas da guerra, fazer florescer um novo mundo de uma terra banhada em sangue. No entanto, os EUA ainda tinham vigor para esse plantio, e claro, para a colheita. Quando comparado aos países derrotados, e até mesmo aos seus colegas capitalistas, os estadunidenses saem do conflito com pouquíssimas baixas e perdas materiais ínfimas. Além de ter sua indústria renovada com o suor de um mar de desempregados oriundos dos anos anteriores, possuía um poderio militar de alcance global fosse por terra, ar ou água. Tudo isso colocou o país norte-americano em uma posição de destaque e com uma economia agressivamente dominante, mantida às custas de ajudar os enfraquecidos capitalistas da Europa a se reerguer. Ao mesmo tempo em que o gigante vermelho que fora decisivo no desfecho da segunda guerra emergia gozando de prestígio político e diplomático no Leste Europeu. A URSS era a menina dos olho de movimentos socialistas por toda a Europa, digo, em todo o mundo. Mas diferente dos EUA, os soviéticos tiveram de encarar problemas econômicos e internos no pós-guerra. Mesmo que com as forças militares abaladas, ainda que contando com o poderoso Exército Vermelho, a URSS era uma ameaça ao admirável mundo novo embalado pelo sonho americano. Os estadunidenses precisavam conter os avanços socialistas ao redor do globo e garantir as rédeas da civilização pós-guerra. Com a Doutrina Truman e o Plano Marshall os Estados Unidos começam a figurar um jogo global, um jogo de “bem” e “mal”, que viria a se tornar o que conhecemos por Guerra Fria (1945 - 1981).

Neste contexto, o avanço científico e tecnológico significava se manter à frente militar, econômica, e culturalmente na corrida pelo controle da nova ordem mundial. O campo científico se tornou uma das muitas frentes de batalha entre estadunidenses e soviéticos, a corrida por desenvolver armamentos, tecnologias de comunicação e de “bem estar social” levava a uma celebração midiática de cada conquista. A corrida espacial se tornou ao mesmo tempo uma forma de guiar a opinião pública sobre a ciência, desenvolver o poderio militar e comunicacional e posar como nação soberana e avançada, os avanços tecnocientíficos eram vendidos como prova de superioridade da nação e do seu sistema político e econômico. Segundo FONSECA e OLIVEIRA, ao tratar da cultura científica no século XIX:
O aprimoramento da vida social passou a ser visto como um desdobramento do pensamento científico aplicado aos domínios da vida prática, não só liberando o homem de restrições da vida física, mas também melhorando suas virtudes morais. (FONSECA, Marina; OLIVEIRA Bernardo. 2015)
Neste sentido era crucial envolver a população, não só dentro das fronteiras nacionais, mas também ao redor do globo, fomentando a ideia de que aquela nação e seus ideais eram um modelo a ser seguido e almejado. Sendo assim, o interesse dos Estados Unidos em promover seu êxito em enviar astronautas estadunidenses à Lua como uma conquista de toda a humanidade está intimamente ligado aos interesses de guiar o mundo política, cultural e economicamente dentro dos moldes capitalistas a fim de estabelecer sua soberania frente ao novo contexto internacional naquela época, em oposição à propaganda soviética.

Referências Bibliográficas

FONSECA, M. A., OLIVEIRA, B. J. Variações sobre a “cultura científica” em quatro autores brasileiros. História, Ciências, Saúde. v. 22, n. 2, p. 445-459, abr.-jun. 2015.

JUNIOR, A. A. L., BELLINTANE, A. I. Segunda Guerra e Guerra Fria: Reflexões para a América Latina. OPSIS. v. 14, n. Especial. p. 225-242, 2014;

NASA. Apollo 11 Mission Overview.

NASA. NASA: Apollo Missions.

UCSB Science Line. How long does it take a rocket ship to get to themoon, and how fast will the rocket be going? 2008.

RIBEIRO, M. C. M., BAIARDI, A. Cooperação Internacional em Ciência e Tecnologia: Refletindo Conceitos e Questões Contemporâneas. Contexto Internacional, v. 36, n. 2, julho/dezembro 2014.

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