Recentemente, devido à ameaça de ataques nucleares, o estoque de pílulas de iodo está se esgotando na Europa. O motivo, como foi anunciado por vários veículos, é que a ingestão das pílulas supostamente protege contra os efeitos nocivos da radiação nuclear. Essa informação tem como base o tratamento implementado pela Polônia após o acidente de Chernobyl em 1986 e prescrito no protocolo da OMS no caso de acidentes ou ataques nucleares.
Existem poucos estudos sobre o tema, mas sabe-se que o efeito de pílulas de iodeto potássio (KI) é limitado ao tratamento e prevenção de problemas na glândula tireóide, e apenas se administrada em um intervalo de tempo curto antes ou após a liberação da radiação na atmosfera.
O iodo e a tireóide
A tireóide é uma das maiores glândulas - ou seja, estruturas responsáveis por produzir substâncias que serão secretadas no organismo - do corpo, localizada no pescoço e resposável por produzir dois hormônios, T3 (Triiodotironina) e T4 (Tetraiodotironina), cuja função é a regulação dos sistemas presentes no nosso organismo. Para produzir esses hormônios, no entanto, a tireóide usa o iodo que ingerimos na forma de iodeto através da alimentação (ele está presente no sal iodado de cozinha, por exemplo) para produzir iodo orgânico, que será utilizado para a formação dos hormônios T3 e T4.
Localização da glândula tireóide |
Basicamente, o iodo é adicionado à tirosina, que é um aminoácido produzido naturalmente pelo corpo humano e não precisa ser ingerido pela alimentação, em um sítio (local) de ligação formando uma monoiodotirosina ou dois sítios, formando uma di-iodotirosina. Caso duas di-iodotirosinas se juntem durante o acoplamento, formarão o T4, mas caso uma di-iodotirosina se acople com uma monoiodotirosina, será formado o T3. O hormônio T4 pode ser convertido em T3 posteriormente. Assim, o T3 tem três iodos e o T4, quatro.
Cadeia de produção dos hormônios T3 e T4 |
O iodo e a radiação
Acontece que o iodo na forma radioativa (I131) também é um subproduto da fissão do urânio, um processo usado para gerar energia nuclear. Logo, em casos de ataques ou acidentes nucleares, o I131 acaba sendo liberado na atmosfera, podendo ser inalado ou ingerido através de alimentos pelos seres humanos. Cerca de 10 a 30 % do I131 inalado acaba se acumulando na tireóide e liberando radiação beta durante seu processo de decaimento, processo no qual ele passará para um estado menos energético e mais estável.
Essa radiação liberada pode afetar o tecido ao redor da tireóide e causar disfunções e câncer na glândula, principalmente em crianças, cuja tireóide é menor e mais suscetível à exposição pela radiação. Para mitigar ou impedir essa exposição, recomenda-se a ingestão de pílulas de iodeto de potássio pois, para que o I131 se acumule, ele precisa encontrar os receptores de iodeto que fazem parte da cadeia de transporte que o levará a ser modificado para iodo orgânico e posterior produção dos hormônios. Caso esses receptores estejam saturados, ou seja, ocupados se ligando a outras moléculas de iodo, o I131 não conseguirá se acumular no local e será excretado antes que possa decair e emitir radiação dentro do corpo.
No entanto, é necessário que o iodeto seja ingerido num período de tempo próximo à inalação do I131. Foi comprovado que, se ingeridas 2 horas após a exposição ao iodo radioativo, as pílulas de iodo tem 78,9 % de eficácia protetora, em relação a apenas 39,1 % se administradas após 8 horas. Também não é possível obter proteção prolongada após a ingestão de uma dose de iodeto de potássio, já que esta oferece bloqueio da tireóide entre aproximadamente 24 ou 36 horas, tendo sua capacidade protetora diminuída com o tempo, já que o iodeto será usado para a produção dos hormônios, deixando os receptores livres. Apesar de não haver graves riscos relatados com a ingestão de pílulas de iodo em excesso, algumas pessoas podem apresentar hipertireoidismo, uma produção excessiva de hormônios T3 e T4.
Referências
DREGER, S. et al. The effects of iodine blocking following nuclear accidents on thyroid cancer, hypothyroidism, and benign thyroid nodules: design of a systematic review. Systematic Reviews, v. 4, p. 126, 2015.
LE GUEN, B.; STRICKER, L.; SCHLUMBERGER, M. Distributing KI pills to minimize thyroid radiation exposure in case of a nuclear accident in France. Nature Clinical Pratice. Endocrinology & Metabolism, v. 3, n. 9, p. 611, 2007.
SILVERTHORN, D. U. Fisiologia Humana: Uma Abordagem Integrada. 7a ed. Artmed, 2017.
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