Estamos saindo das comemorações
de Ano Novo e é possível que você tenha passado pela seguinte situação: um tio
que desde cedo já estava nos trabalhos da manguaça, chapou o melão, não conseguiu
ver nem os fogos, começou 2014 com uma baita ressaca e prometeu (novamente)
nunca mais beber. Mas você sabe que no início de 2015 a mesma coisa vai
acontecer. Porém, e se ele não for culpado sozinho? E se, como as crianças que
comem mal (sobre as quais escrevi anteriormente), um gene desse um
empurrãozinho para a água que passarinho não bebe e o deixasse mais perto do
alcoolismo? Nosso conhecimento sobre as bases genéticas, moleculares e
neurobiológicas da dependência ao álcool é incompleto, mas pesquisadores
britânicos deram um passo nessa direção e publicaram um trabalho na revista
“Nature Communications” que ajuda a entender como funciona a preferência pelo
consumo de álcool no cérebro.
Os pesquisadores usaram uma
substância química para gerar mutações aleatórias no DNA de camundongos e
depois analisaram os mais de mil filhotes gerados em relação à preferência em beber
uma solução contendo 10 % de etanol (mais ou menos o equivalente à concentração
de álcool no vinho) ao invés de beber água. Então, eles encontraram um tipo de camundongo
mutante que prefere beber a solução com álcool quase 70 % das vezes, enquanto
os normais bebem 25 % das vezes. Esse camundongo pinguço tem uma diferença em
um gene que produz receptores de ácido gama-aminobutírico (ou GABA para os
íntimos). O GABA é um composto usado para a comunicação entre os neurônios no
cérebro, os nossos famosos neurotransmissores. E os receptores de GABA são
proteínas presentes na membrana dos neurônios que sentem a presença desse
neurotransmissor e passam a informação para a célula.
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João Canabrava e Professor Raimundo (Fonte: extra.globo.com) |
Com base nisso, os cientistas
investigaram o camundongo João Canabrava mais a fundo. A mutação que ele
carregava modificava apenas um aminoácido em uma proteína que tem quase 500.
Esse animal era menor que os normais e as fêmeas eram totalmente estéreis,
provavelmente devido a alterações cerebrais que controlam o desenvolvimento
hormonal. Além disso, a preferência por álcool nesses camundongos não está
relacionada com o sabor da bebida, já que ele não tem preferência por beber
soluções com açúcar, adoçante ou amargas. E pior, esses animais ainda são mais
fracos para bebida, tendo seus reflexos prejudicados com uma quantidade de
álcool menor que os camundongos normais e demorando mais para se recuperar.
Quando os cientistas analisaram
mais a fundo o cérebro desses camundongos viram que a mutação no receptor de GABA
modificou a fisiologia cerebral, especialmente na região chamada nucleus accumbens, envolvida com o
prazer, recompensa e aprendizado, assim como medo, agressividade, impulsividade
e vícios. De acordo com os cientistas, essas alterações no cérebro causadas
pela mutação no receptor de GABA podem explicar a preferência dos animais pelo
álcool e fornece um novo alvo para estudos sobre o alcoolismo em humanos.
Porém, é importante lembrar que esse estudo foi realizado apenas com camundongos
e não se sabe se o mesmo tipo de mutação existe naturalmente em seres humanos,
o que com certeza será alvo de futuros estudos.
Antes de terminar, gostaria de
fazer uma ressalva que deveria ter feito antes: nós não somos exclusivamente
determinados pelos genes, mas sim pela relação entre o que está presente no
nosso genoma e o ambiente ao que somos expostos. Dessa forma, não existe um
gene para obesidade, ou alcoolismo, ou diabetes (embora a mídia geral ainda não
tenha entendido isso). Para a maior parte das características, incluindo as
doenças complexas e com muitas variáveis, a presença de alguns genes em um
ambiente favorável vai aumentar a probabilidade de ela ocorrer. Os genes não
determinam, mas dão tendência.
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