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[Blogue do PJ] Carbonatação: A química por trás das bebidas com gás

Praticamente todo mundo em algum momento já tomou alguma bebida com gás (chamada gaseificada), seja ela água com gás, refrigerante ou até mesmo cerveja. Quase toda casa, ou estabelecimento comercial hoje em dia, costuma possuir algum tipo de bebida gaseificada na geladeira, fazendo das mesmas um fenômeno global.

A principal característica dessas bebidas, e provavelmente o que faz com que as mesmas sejam tão famosas, é a presença de dióxido de carbono (CO2) dissolvido, o que gera uma sensação diferente ao ingerir. A importância desse gás fica clara, por exemplo, quando tomamos um refrigerante sem gás, ou uma cerveja choca. Em ambas as situações, a bebida gaseificada perdeu boa parte do CO2, e por isso não se encontra com o gosto usual, que a maioria das pessoas prefere.

O CO2, também conhecido como gás carbônico, é um gás incolor e inodoro. Ele é encontrado em uma baixa concentração na atmosfera (cerca de 0,04 %) e é gerado principalmente através da combustão de matéria orgânica, decorrente da queima de combustíveis fósseis, além da respiração dos seres vivos. Outro detalhe interessante sobre o dióxido de carbono é que ele é capaz de absorver a radiação infravermelha do sol, o que causa acúmulo de calor, e por isso, é um dos principais responsáveis pelo efeito estufa.

O CO2 foi descoberto no século XVIII, pelo cientista escocês Joseph Black, que na época o chamou de “gás fixo”. A partir de sua descoberta, o cientista britânico Joseph Priestley, a quem se atribui a descoberta do gás oxigênio, decidiu bombear certa quantidade de “gás fixo” para dentro de uma garrafa com água. Após a dissolução do gás na água, Priestley percebeu que a mesma apresentava um gosto diferente, além de também possuir bolhas efervescentes. Foi então a partir daí que surgiu a água com gás, ou água carbonatada, a primeira bebida gaseificada gerada artificialmente. Esse processo de bombear CO2 na bebida, utilizado por Priestley, ficou conhecido como carbonatação.

A carbonatação consiste na injeção de CO2 gasoso em determinado líquido, geralmente através de um tubo com alta pressão. Esse procedimento deve ocorrer em ambiente frio, usualmente entre 5 °C e 8 °C, uma vez que gases são mais solúveis em menores temperaturas. É dito na literatura que nessa faixa de temperatura apresentada, é possível dissolver cerca de 3 gramas de CO2, em 1 litro de água, enquanto que em temperatura ambiente, em torno de 25 °C, essa solubilidade cai praticamente pela metade.

Figura 1: Adição de CO2 na bebida, através do processo de carbonatação. Disponível em: https://www.cnet.com/news/appliance-science-the-compressed-chemistry-of-carbonation/

Algum tempo após a injeção de CO2, a solução entra no estado de equilíbrio, que nesse caso é quando a pressão do gás no líquido e no ar em contato com ele são iguais. Essas pressões iguais impedem que o CO2 dissolvido vá para o ar, assim como impedem que o CO2 do ar entre no líquido. As bebidas carbonatadas costumam ficar em estado de equilíbrio até que sejam abertas.

Figura 2: Estado de equilíbrio no interior da garrafa, entre a bebida e o ar. Disponível em: https://www.cnet.com/news/appliance-science-the-compressed-chemistry-of-carbonation/

Ao abrir um garrafa contendo uma bebida carbonatada, o equilíbrio na pressão de CO2 é quebrado, uma vez que a pressão parcial de gás carbônico na atmosfera é menor do que no ar dentro da garrafa. Assim, na tentativa de restaurar o equilíbrio, as moléculas de CO2 presentes na bebida passam a formar bolhas e sair do líquido, diminuindo sua pressão parcial de CO2, ou seja, deixando-o sem gás. É por esse motivo que, caso uma garrafa fique aberta por muito tempo, a bebida acaba perdendo o gás.

Figura 3: Saída do CO2 da bebida, após abertura da garrafa. Disponível em: https://www.cnet.com/news/appliance-science-the-compressed-chemistry-of-carbonation/

Manter uma bebida com gás em ambiente muito quente também favorece a perda de gás, uma vez que, como dito anteriormente, gases são mais solúveis em baixas temperaturas. Portanto o calor faria com que as moléculas de CO2 passassem da forma solubilizada para forma gasosa, deixando a bebida sem gás. Por outro lado, caso a bebida seja congelada, a mesma também ficaria sem gás, já que o gás carbônico é solúvel em água líquida, não sólida. Em ambos os casos, a pressão de gás no interior do recipiente é aumentada, já que as moléculas de CO2 irão para a forma gasosa. Por conta disso, é possível que a garrafa estoure, caso a bebida seja exposta a temperaturas muito extremas por um longo período de tempo.

Um outro problema que acompanha a perda de gás nas bebidas gaseificadas é a redução na acidez das mesmas. Isso se deve ao fato de que a molécula de CO2 possui características ácidas, e em contato com a água provoca a produção de ácido carbônico. O ácido carbônico é um ácido fraco, sendo um dos principais responsáveis pelo sabor ácido característico das bebidas gaseificadas.

A exposição prolongada das bebidas com gás ao ar atmosférico promove a saída de grandes quantidades de CO2, o que acaba forçando a degradação do ácido carbônico para a formação de novas moléculas de CO2, processo que é acompanhado pela formação de moléculas de água. Portanto, quanto mais tempo com a bebida exposta ao ar atmosférico, menos moléculas de ácido carbônico e de CO2 estarão presentes, enquanto haverá mais moléculas água, e por isso a bebida fica "aguada".

Outro tópico interessante ligado a perda de gás nas bebidas é a combinação entre balas Mentos e refrigerante, um fenômeno bem famoso e que desperta muitas dúvidas. Entretanto, para entrar nesse assunto, precisamos primeiro entender que a maneira como CO2 escapa das bebidas carbonatadas é através de bolhas formadas nas imperfeições de superfície do recipiente.

É possível observar, por exemplo, que a maioria das bolhas de um refrigerante são formadas nas paredes do copo em que ele estiver. O processo de formação dessas bolhas é chamado de nucleação, e o mesmo ocorre quando um ponto único (o núcleo), geralmente uma falha de superfície, possibilita a união de várias moléculas de CO2 ali. Quando adicionamos um Mentos no refrigerante, o que ocorre é um mega processo de nucleação, pois a superfície da bala Mentos possui diversos poros bem pequenos que possibilitam a formação de várias bolhas rapidamente. Essas bolhas formadas de forma extremamente acelerada acabam por liberar uma grande quantidade de CO2, o que empurra o refrigerante para fora da garrafa, gerando o famoso jato.

Além das balas Mentos, ainda existem outras formas de fazer o refrigerante espumar, como chacoalhar, o que faz com que o CO2 gasoso presente na parte de cima da garrafa, se posicione no meio da bebida, gerando grandes bolhas. Ao abrir a garrafa após agitação, essas bolhas de CO2 forçarão o gás para fora da garrafa, empurrando o líquido junto, e fazendo o refrigerante transbordar.

Por último, mas não menos importante, caso o refrigerante esteja bem gelado, mas não ao ponto de congelar, é preciso tomar cuidado ao abri-lo, pois haverá uma grande quantidade de CO2 solubilizado no líquido, e isso fará com que o gás escape com mais força. O lado bom é que, caso a bebida não transborde, você poderá aproveitar um refrigerante bem gelado e cheio de gás, que é a forma mais gostosa!

Bibliografia:

BAGULEY, R.; MCDONALD, C., 2015. Appliance Science: The compressed chemistry of carbonation. CNET. 26 de Agosto.

CIÊNCIA CURIOSA, 2014. Experimento Coca Cola e Mentos. YouTube. 6 de Fevereiro.

ENCYCLOPEDIA.COM, 2020. Carbon Dioxide. 7 de Abril.

GUERCHON, J et al.  A Química no Refrigerante. CCEAD, PUC-Rio.

SANTOS, R., 2018 Coluna Ciências: Por que bebidas congeladas perdem o gás? Brasil de Fato. 21 de Agosto.

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