A maior parte das pessoas sabe que as infecções são causadas por microrganismos, como bactérias e fungos. A partir disso, muita gente imagina que todos os microrganismos são maus e causam doenças quando em contato com o ser humano.
E se eu disser que não? Ainda mais! E se eu disser que é bem provável que você tenha até mesmo o costume de ingerir microrganismos ou produtos fabricados por eles? Você acreditaria? Iogurte, bolo, cerveja, queijo... Todos esses alimentos possuem uma relação com microrganismos!
Antes de explicar essa relação, vamos definir o que é fermentação.
Quando uma pessoa ingere uma molécula de açúcar, essa é transportada para todas as células do corpo através do sangue.
Quando esse açúcar é absorvido, ele passa por várias etapas de processamento até que, ao final, seja gerada uma molécula energética valiosíssima para o corpo, o ATP. O ATP é usado como fonte de energia para vários processos biológicos, mas não vamos nos aprofundar nisso.
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1- Etapas da transformação do açúcar em ATP Fonte: Biologia Total – Respiração Celular |
Entretanto, esse caminho só é percorrido pela molécula de açúcar, na imagem representada como glicose, caso exista oxigênio no meio! Se, por acaso não existir oxigênio na célula, o processo é interrompido antes do ácido pirúvico entrar na mitocôndria.
Aqui está o verdadeiro segredo da fermentação: os microrganismos que são usados na fermentação geralmente são anaeróbicos, ou seja, eles morrem na presença de oxigênio.
Ok... Mas então como eles conseguem sobreviver sem oxigênio? A imagem abaixo responde a sua pergunta!
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2 – Etapas de Fermentação Fonte: https://netnature.wordpress.com/ |
Quando não há oxigênio, o ácido pirúvico é desviado para essa rota. Na fermentação láctea, feito, por exemplo, pelas bactérias do gênero Lactobacillus, a glicose é convertida em ácido pirúvico e depois em ácido láctico. Na fermentação alcoólica, por exemplo feito por leveduras do gênero Saccharomyces, a glicose é convertida em ácido pirúvico e depois em etanol e gás carbônico (CO2).
Agora que a fermentação foi explicada, fica mais simples de se comentar sobre o processo de alguns alimentos que cozinhamos cotidianamente.
Quando se quer fazer um bolo ou uma pizza, é desejável que a massa cresça e infle. Para isso, utilizamos o fermento. O fermento biológico é justamente um produto cheio de microrganismos que realizam a fermentação alcoólica. Desse jeito, ao o adicionarmos na massa, é gerado gás carbônico e ela acaba ficando inchada do jeitinho que conhecemos!
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3 – Massa de pizza após adição de fermento biológico Fonte: tricurioso.com |
Para os amantes de queijo e de iogurte, ambas as comidas também são fabricadas com uso de microrganismos. O leite possui uma estrutura muito pequena, invisível aos olhos humanos, de proteínas, gorduras e açúcares. Sendo assim, ao adicionar uma bactéria que realize fermentação láctea, essa bactéria converte a lactose (açúcar do leite) em ácido láctico! O acúmulo de ácido láctico no leite provoca aumento da acidez e isso faz com que as proteínas dele mudem de estrutura. Ao ocorrer essa mudança de estrutura nas proteínas, o leite muda de forma, transformando-se em iogurte ou queijo.
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4 – Leite, iogurte e queijo. Repare como o iogurte e o queijo são bem mais cremosos que o leite por conta da mudança estrutural das proteínas. Fonte: blogeatinrio.wordpress.com |
Por fim, mas não menos importante, o vinho segue um processo semelhante à fermentação do bolo. Para a fabricação do vinho, a uva é triturada. O líquido proveniente da trituração da uva então é condicionado em um recipiente fechado que fica armazenado por meses. Durante o descanso do vinho, a fermentação alcoólica entre os açúcares da uva e os microrganismos anaeróbicos está em uma taxa bem alta. Ao final do processo de fermentação, álcool e gás carbônico são gerados, características essas que são apreciadas pelos amantes de vinho.
Como curiosidade, você sabia que no Brasil colonial, uma bebida fermentada parecida com o refrigerante era famosa e fez muito sucesso? O nome dessa bebida é aluá, e consiste, basicamente, em tiras da casca de abacaxi, açúcar e água dentro de um recipiente. Após a adição de todos os ingredientes, deixa-se o recipiente armazenado por alguns dias em temperatura ambiente para que a fermentação ocorra. O resultado é delicioso, resultando em uma bebida adocicada e gaseificada com sabor de abacaxi.
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5 – Aluá de abacaxi Fonte: melepimenta.com |
Bom, agora que você sabe sobre todo o processo de fermentação, você ainda acha que todos os organismos são maus e causam doenças?
Referências:
ADMASSIE, M. 2018. A review on food fermentation and the biotechnology of lactic acid bacteria. World Journal of Food Science and Technology, v. 2, n. 1, p. 19-24.
BOKULICH, N.A.; BAMFORTH, C W. 2013. The microbiology of malting and brewing. Microbiology and Molecular Biology Reviews, v. 77, n. 2. p. 152-172.
NELSON, D.L.; COX, M.M. 2014. Princípios de bioquímica de Lehninger. 6ª Ed. Artmed.
SLOW FOOD BRASIL. 2016. Aluá.
SLOW FOOD BRASIL. 2016. Aluá.
Essa postagem foi editada por Gustavo Martins.
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