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[Blogue da Paula]: Nitazoxanida contra covid-19?


Há alguns meses, o ministro da ciência e tecnologia, Marcos Pontes, declarou que seria utilizado um medicamento secreto, para começar a realizar uma série de estudos clínicos contra o novo coronavírus em pessoas contaminadas com essa doença. Não demorou muito tempo e logo o nome do medicamento foi revelado, sendo ele o Nitazoxanida, anti-helmíntico antiparasitário de amplo campo de atuação. Poucos conhecem esse medicamento por esse nome pois ele ficou muito mais conhecido pelo nome de Anitta, que é usado para o tratamento de helmintíases e também gastroenterites virais provocadas por rotavírus ou norovírus.

Sendo assim, conforme dito anteriormente, o medicamento declarado pelo ministro da ciência e tecnologia foi a Nitazoxanida, da seguinte fórmula:


Do ponto de vista químico, esse composto apresenta um anel triazólico, e esse grupo está presente em vários fármacos. Porém, essa não é a molécula ativa. Podemos dizer que esse medicamento sofre um processo chamado de hidrólise (processo esse que é conhecido por ser um fenômeno químico em que uma molécula é quebrada em moléculas menores na presença de água).

A biotransformação desse medicamento ocorre através da reação após ação de esterases hepáticas:



De forma simplificada, quando uma célula é invadida por um vírus, ela pode morrer. Porém, antes disso acontecer, ela “avisa”, através de comandos de sinalização, a outras células que está ocorrendo uma infecção. Esse “aviso” é feito através de proteínas chamadas de Interferon. Essas proteínas estão presentes na primeira linha de defesa, e além disso, ela avisa para outras células que houve uma invasão. Com isso, as moléculas que já receberam a sinalização ficam preparadas para atuar em um próximo instante com o seu mecanismo de defesa. 

No caso do SARS-CoV-2, parece que ele dificulta a produção do Interferon, impedindo que a célula produza essa proteína de forma adequada de tal maneira que outras células não recebem a sinalização e podem ser surpreendidas.Vale ressaltar que o Interferon é produzido pela própria célula que foi infectada, mas também pode ser produzido por células do sistema imunológico, entre elas, o linfócito T e as células NK. 

Por sua vez, o Nitazoxanida estimula a produção de Interferon, sendo bastante importante pois, com a produção correta, ele pode levar à sinalização de outras células para serem capazes de se preparar para combater a infecção.

A primeira atuação de Nitazoxanida seria com a produção de Interferon e a segunda aplicação está relacionada à inibição da produção exagerada de citocinas e interleucinas. Essas moléculas são de comunicação, assim como o Interferon; a diferença é que o Interferon está relacionada com o início da infecção. Por isso que o ideal é ter uma produção adequada de Interferon no estágio inicial da infecção, pois nesse momento o próprio sistema consegue dar conta do vírus. Contudo, em um estágio mais avançado, ocorre a tempestade inflamatória, que basicamente é a produção exagerada de citocinas e interleucinas, em que o sistema imune fica super ativo, e na tentativa de matar o vírus, acaba tendo efeitos negativos no corpo do hospedeiro, podendo até mesmo levar à morte. 

Tal medicamento apresenta essas duas funções que aparentemente são antagônicas pois no início ele ativa o sistema imunológico e, posteriormente, ela freia a tempestade inflamatória, que é resultante da ativação do sistema imune, reação essa bastante comum em casos graves da COVID-19.

Eu espero que todos tenham conseguido entender o funcionamento básico da Nitazoxanida. Além disso, é válido ressaltar que todas essas conclusões foram baseadas em testes clínicos e, sendo assim, não podemos afirmar qual o tratamento a ser feito corretamente. E lembrando: este texto somente visou mostrar um possível mecanismo de ação desse fármaco contra o SARS-CoV-2. Em nenhum momento, nós, integrantes do blogue A Porta de Marfim, estamos incentivando o uso de um medicamento pois não temos prerrogativa, uma vez que isso cabe à comunidade médica.

Referências:

Agencia Brasil. 2020. Marcos Pontes participa de publicação científica sobre nitazoxanida. Istoé. 24 de outubro.

Essa postagem foi editada por Gustavo Martins

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