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[Blog da Giulianna] O novo raio-X síncrotron 4D e seus avanços para a pesquisa e a tecnologia brasileira


O Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) tem sido um centro fundamental para a pesquisa avançada no Brasil, operando desde 1997 a única fonte de luz síncrotron na América Latina, conhecida como UVX. Recentemente, o LNLS está empenhado na construção do Sirius, um novo acelerador de elétrons de quarta geração, representando um avanço significativo em relação ao UVX. O Sirius, projetado para ser uma das máquinas mais avançadas do mundo, oferecerá possibilidades inovadoras para a análise de diversos tipos de materiais, tanto orgânicos quanto inorgânicos, podendo ser observado centímetros de estrutura abaixo da superfície do material a ser analisado em uma ampliação de nanômetros, verificando-se seus componentes nanometricamente.


A luz síncrotron é uma forma de radiação eletromagnética que possibilita a observação da estrutura interna dos materiais. Ela é gerada quando elétrons em alta velocidade têm suas trajetórias desviadas por campos magnéticos, resultando em radiação de amplo espectro, desde o infravermelho até os raios X. O UVX, atual fonte de luz síncrotron do Brasil, possui 18 linhas de luz, abrangendo técnicas de análise experimental com radiação infravermelha, ultravioleta e raios X. No entanto, suas limitações em termos de número de estações de pesquisa e parâmetros técnicos impulsionaram o desenvolvimento do Sirius.

O processo de geração de luz síncrotron no Sirius envolve as seguintes etapas:

1) Emissor de Elétrons: Neste dispositivo, o feixe de elétrons é gerado a partir de um cátodo e, em seguida, acelerado por campos eletrostáticos antes de ser introduzido no Linac.

2) Acelerador Linear (Linac): Este é um acelerador linear por onde passa o feixe de elétrons originado no emissor, adquirindo energia à medida que é acelerado até atingir velocidades próximas à da luz.

3) Impulsionador (Booster): Funcionando como um acelerador circular, o Booster tem como propósito aumentar a energia do feixe proveniente do Linac até atingir o nível necessário para a operação da fonte de luz. Durante esse processo, os campos magnéticos dos ímãs são sincronizadamente intensificados, interagindo com uma cavidade de radiofrequência que fornece energia a cada volta.

4) Anel de Armazenamento: Neste anel principal, o feixe de elétrons é mantido em órbitas estáveis com a assistência de ímãs. Durante seu percurso no anel, os elétrons passam por dipolos, wigglers e onduladores, utilizados para curvar suas trajetórias, induzindo a produção de luz síncrotron.

5) Luz Síncrotron: Quando elétrons, carregados com alta energia e velocidade, têm suas trajetórias desviadas por campos magnéticos, ocorre a emissão de radiação de amplo espectro magnético e alto brilho, caracterizada como luz síncrotron.

6) Linhas de Radiação: Estações experimentais para as quais o feixe de luz síncrotron é direcionado, revelando informações sobre amostras analisadas. As fontes de síncrotron geralmente contêm diversas linhas de radiação, onde são conduzidos experimentos utilizando várias técnicas, como espectroscopia do infravermelho ao raio X, espalhamento de raios X, cristalografia, tomografia, entre outras.

O Sirius será composto por um acelerador de elétrons de 3 GeV, com 518,4 metros de circunferência, capaz de acomodar até 40 linhas de luz. Esses parâmetros representam uma melhoria significativa em relação ao UVX, possibilitando não apenas melhorias quantitativas em experimentos existentes, mas também permitindo avanços qualitativos em diversas áreas de pesquisa. A energia do Sirius será duas vezes maior, e sua emitância será aproximadamente 360 vezes menor que a do anel atual, resultando em um brilho síncrotron excepcional.

Os benefícios do Sirius para a pesquisa são vastos. Sua capacidade de realizar experimentos em escalas nanométricas, com feixes de raios X intensos e concentrados, o destaca em áreas como nanotecnologia e biotecnologia. A tomografia por raios X com resolução de nanômetros, por exemplo, abrirá novas possibilidades em metalurgia, geofísica, medicina, agricultura e outras disciplinas.

No campo da saúde, o Sirius terá um papel crucial no desenvolvimento de medicamentos, permitindo a identificação detalhada de estruturas de proteínas e unidades intracelulares complexas. A análise de órgãos e tecidos com resolução espacial nanométrica contribuirá para o avanço de diagnósticos e tratamentos. Além disso, o Sirius impulsionará pesquisas em materiais mais leves e eficientes, beneficiando setores como aviação e energia renovável.

Empresas brasileiras, como Vale, Braskem, Petrobras e Oxiteno, serão beneficiadas com o uso do Sirius, enfrentando desafios tecnológicos sofisticados em suas respectivas áreas. Na agricultura, a luz síncrotron pode ser aplicada para análise do solo e desenvolvimento de fertilizantes mais eficientes e sustentáveis. Na área de energia, o Sirius contribuirá para o desenvolvimento de tecnologias inovadoras de exploração de petróleo e gás natural.

Portanto, o Sirius representa um marco significativo na pesquisa científica e tecnológica no Brasil, oferecendo possibilidades sem precedentes para a análise de materiais em diversas áreas. Seu impacto se estenderá além das fronteiras acadêmicas, influenciando positivamente setores industriais e contribuindo para o avanço do conhecimento e da inovação no país.

Referências:

CHAPADENSE NEWS, 2023. Raio-X em 4-D permite análise do “coração” dos materiais conhecidos pelo homem. Opera com luz dez bilhões mais brilhantes que o Sol.

LABORATÓRIO NACIONAL DE LUZ SÍNCROTON, 2014. Projeto Sirius: a nova fonte de luz síncrotron brasileira. 1. ed. Campinas: Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, [s.d.]. v. 1p. 1–123.

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