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[Chute do Nobel T2E1] A persistente Katalin Karikó: uma candidata à ganhadora do Prêmio Nobel de 2022


Katalin Karikó é uma bioquímica búlgara que migrou com sua família para os Estados Unidos da América (EUA) em 1985 para dar continuidade a sua pesquisa com RNA.

No período de 1985 a 1988, durante o seu pós-doutorado na Temple University, na Filadélfia, e na “Uniformed Services University of Health Sciences”, em Bethesda, Karikó participou de um ensaio clínico em que os pacientes com AIDS, doenças hematológicas e Síndrome da Fadiga Crônica foram tratados com RNA de fita dupla (dsRNA). Esta pesquisa foi considerada inovadora, pois o mecanismo molecular da indução do interferon, uma proteína envolvida no sistema de defesa do corpo, por dsRNA não era conhecido, apesar dos efeitos antivirais e anticancerígenos do interferon já estivessem bem documentados.

Em 1989, Karikó começou a pesquisar com a cardiologista Elliot Barnathan na Universidade da Pensilvânia, sobre o RNA mensageiro (mRNA). O mRNA é uma molécula que carrega instruções para a construção de proteínas do DNA de uma célula para suas máquinas de construção molecular.

Desde 1990, a terapia baseada em mRNA tem sido o principal interesse de pesquisa de Karikó. Porém, a falta de resultados positivos em suas pesquisas, a fez passar por vários problemas acadêmicos, como a falta de financiamento, por exemplo. Neste mesmo período, ela descobriu um câncer e o seu marido teve problemas com o visto nos EUA.

Em 1997, ela conheceu Drew Weissman, professor de imunologia da Universidade da Pensilvânia. Os dois cientistas começaram a trabalhar juntos. Os pesquisadores estavam interessados na possibilidade de usar o mRNA para estimular o corpo a desenvolver imunidade contra patógenos virais. Em estudos iniciais, eles descobriram que o mRNA é altamente imunogênico, ou seja, provocam respostas imunes contraproducentes no corpo. No entanto, quando Karikó realizou experimentos com um tipo diferente de molécula de RNA, o tRNA, ela não observou os mesmos efeitos imunogênicos. Essa observação encorajou-a com o Weissman a experimentar nucleosídeos modificados. Karikó se concentrou no motivo pelo qual o tRNA usado como controle em um experimento não provocou a mesma reação imune que o mRNA para torná-lo não imunogênico. Seus artigos foram rejeitados pelas revistas Nature e Science, porém o artigo foi aprovado na revista Immunity.

Os pesquisadores identificaram associações entre nucleosídeos de mRNA modificados específicos e imunogenicidade reduzida. Um avanço que resultou em uma tecnologia conhecida como RNA não imunogênico modificado por nucleosídeos. Desde o ano de 2005, Karikó e Weissman detém a patente desta tecnologia.

No início de 2013, Karikó ficou sabendo de um acordo entre as empresas Moderna e AstraZeneca para desenvolvimento de um mRNA do fator de crescimento endotelial vascular (VEGF). O gene VEGF está envolvido no processo de angiogênese no câncer, isquemia e outras doenças.

Karikó, cansada das dificuldades em aplicar a sua experiência com mRNA existentes na Universidade da Pensilvânia, resolveu assumir o cargo de vice-presidente da BioNTech RNA Pharmaceuticals com a finalidade de continuar a sua extensa pesquisa com o mRNA.

Em 2020, com a urgência em desenvolver uma vacina que pudesse prevenir ou reduzir a gravidade da infecção pelo SARS-CoV-2, a pesquisa usando o mRNA ocorreu de forma mais intensa. A geração de vacinas de mRNA é relativamente rápida, contando principalmente com tecnologias sintéticas, sem a necessidade de vírus de verdade.

Segundo o Karikó e Weissman, a partícula de mRNA sintética é o código para a produção de proteína viral, que sozinha não é capaz de causar doença, mas ativa células do sistema imune a ficarem de prontidão para a eventual contaminação com agente infeccioso.

A persistência de Karikó na terapia de mRNA teve um papel fundamental na pandemia do COVID-19, pois foi por meio de suas pesquisas iniciais com mRNA que ocorreu o desenvolvimento de, pelo menos, uma das vacinas utilizadas. Este trabalho árduo foi reconhecido pela comunidade científica, onde ela recebeu vários prêmios a partir de 2020, como: Rosenstiel Award; Japan Prize; Canada Gairdner International Award; Tang Prize e outros.

O trabalho da Karikó é relevante inclusive para o desenvolvimento de outras terapias envolvendo o mRNA em combate a outras doenças. Por tudo que desenvolveu até o momento, é possível depreender que Karikó é uma forte candidata ao prêmio Nobel de Medicina no ano de 2022.

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Esse texto foi escrito por Cristiane Bastos Leta Vieira, aluna de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Fisiopatologia Clínica e Experimental da Universidade do Estado do Rio de Janeiro como parte da avaliação da disciplina "Prêmios Nobel em Biociências", coordenada pelo professor David Majerowicz

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