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[Chute do Nobel T2E6] Yong-Zhen Zhang por seu trabalho de mapeamento e divulgação do genoma do SARS-CoV-2


Para quem estava na Terra durantes os últimos dois anos, não foram dias fáceis. A partir dos meses iniciais do ano de 2020, a sociedade encontrou-se diante de um inimigo sorrateiro e chamado “invisível desconhecido”, que, durante algum tempo, pôs a teste a esperança de milhões, além da dor de muitos. O novo e rapidamente emergente coronavírus trouxe consigo grandes indagações e à tona, medos. Um aconchegante abraço de um determinado familiar ou uma simples conversa próxima viraram uma constante distante, em tempo e espaço.

O responsável pela identificação e divulgação do então novo coronavírus foi o virologista chinês Yong-Zhen Zhang, pesquisador do Centro Clínico de Saúde Pública e professor da Universidade de Fudan, ambos localizados na cidade de Xangai, na China. Zhang já trabalhava com outros vírus de RNA, fazendo um trabalho de mapeamento e monitoramento de vírus emergentes que podem apresentar possível ameaça à saúde pública. Nos dias iniciais de janeiro de 2020, Zhang recebeu amostras de pacientes com uma pneumonia peculiarmente severa, que estava acometendo pessoas na localidade de Wuhan, região central da China, há aproximadamente um mês ou mais. Em menos de 48 horas após o recebimento das amostras, seu grupo foi capaz de mapear o genoma do possível agente causador do surto de pneumonia que estava acometendo a cidade de Wuhan, o identificando como uma nova cepa da família de vírus causadores de Síndrome Respiratória Aguda Severa (em inglês: “Severe Acute Respiratory Syndrome”, ou SARS) e Síndrome Respiratória do Oriente Médio (em inglês: “Middle East Respiratory Syndrome”, ou MERS). Após notificar as autoridades chinesas sobre a preocupação e perigo à saúde pública, um dos pesquisadores liderados por Zhang teve permissão do mesmo para postar o genoma do novo vírus de maneira gratuita na internet para que todos os pesquisadores do mundo pudessem ter acesso ao mesmo. Dias depois, Zhang teve seu laboratório fechado pelas autoridades por questões de biossegurança, só reabrindo duas semanas depois. No último dia de janeiro, a OMS declarou que o surto de SARS-CoV-2 era uma emergência de saúde pública de interesse internacional. Em 3 de fevereiro, o trabalho do time liderado por Zhang teve seus dados publicados na revista Nature. No fim de fevereiro, já haviam sido reportados mais de 80.000 casos em vários lugares no mundo.

Nossos sistemas de saúde transbordaram, trabalhando constantemente a 110 % de capacidade. Nossos profissionais se exauriram, batalhando com unhas e dentes por cada vida. Muitas vezes abrindo mão de sua vida pessoal para estar ali. A luta diária foi travada contra o invisível que, aos poucos, se tornou a única rotina conhecida. Hoje convivemos com o vírus que tem nos acompanhado durante os últimos quase três anos. Hoje conhecemos sua face e manias, além de sua capacidade. Hoje, convivemos não só com o não tão mais novo coronavírus, mas com seus impactos, que atingem todas as esferas sociais.

O trabalho de descoberta e divulgação de Zhang e seus liderados permitiu a criação de testes para o novo coronavírus, além de uma base para estudos posteriores sobre a identificação de mutações genéticas no vírus, ou seja, nova variantes. Possibilitou, também, a identificação até mesmo em pacientes até mesmo assintomáticos. Graças ao rápido trabalho desses pesquisadores, foi possível o início de uma grande corrida das vacinas contra a COVID-19, como é conhecida doença causada pelo SARS-CoV-2, muitas utilizando como base fragmentos genéticos do vírus. Ademais, Zhang e colaboradores continuaram e continuam publicando muitos trabalhos sobre o vírus, a doença e o pós-infecção. Com isso, é possível que o Dr. Yong-Zhen Zhang seja um possível candidato ao prêmio Nobel de 2022 pelo seu trabalho impactante no início e durante a pandemia de COVID-19.

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Esse texto foi escrito por Paula Hosana Fernandes da Silva, aluna de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Fisiopatologia Clínica e Experimental da Universidade do Estado do Rio de Janeiro como parte da avaliação da disciplina "Prêmios Nobel em Biociências", coordenada pelo professor David Majerowicz.

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