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[Chute do Nobel T1E3] Como um mecanismo presente nas bactérias pode levar ao Prêmio Nobel


Umas das maiores premiações do mundo, foi motivada pela insatisfação dos resultados obtidos de uma invenção revolucionária, a dinamite. O seu criador, Alfred Nobel, foi surpreendido com o título do seu próprio obituário, publicado por engano em um jornal francês, já que quem havia morrido era seu irmão. A notícia era: “O mercador da morte morreu”, e isso incomodou Nobel profundamente, pois não era dessa maneira que ele queria ser lembrado (NOBEL MEDIA, 2019). Foi então que ele mudou seu testamento e destinou sua fortuna para premiar, em vida (NOBEL MEDIA, 2019), aqueles que realizassem benefícios para a humanidade em áreas como a física, química, fisiologia ou medicina, literatura e paz. A cerimônia de premiação, denominada Prêmio Nobel, é realizada sempre no dia da sua morte, 10 de dezembro (NOBEL MEDIA, 2019).

A cerimônia de premiação do Nobel tem sido realizada desde 1901, e este ano não seria diferente. Através deste texto, gostaria de revelar o meu palpite para as ganhadoras do Prêmio Nobel na área de Fisiologia ou medicina este ano, que são as pesquisadoras Emmanuelle Charpentier (microbiologista e imunologista) e Jennifer Doudna (bioquímica).

O nosso corpo possui sistemas de engrenagens que determinam o seu bom funcionamento, e a base para que todo corpo funcione de forma adequada se chama DNA (Ácido desoxirribonucleico) (WATSON e CRICK, 1953). O DNA é uma molécula portadora de todas as informações genéticas, conferindo todas as características particulares de cada indivíduo. Já o RNA (molécula formada a partir do DNA), funciona como uma molécula intermediadora e detentora de parte das informações presentes no DNA, e contribui para o processo de formação de proteínas (WATSON e CRICK, 1953;
GRIFFITHS et al., 2006). As proteínas, por sua vez, participam na formação e funcionalidade de tecidos, órgãos e sistemas do corpo humano (GRIFFITHS et al., 2006). Assim, doenças como infecções virais, cânceres e outras que perturbem essa engrenagem a partir do DNA, podem resultar em danos severos ao corpo humano (CHARPENTIER, 2015). Portanto, tecnologias que permitam o entendimento e o tratamento dessas desordens, se tornam uma ferramenta de grande importância na biologia e medicina (HILLE e CHARPENTIER, 2016), e é exatamente por isso que a pesquisa de Charpentier e Doudna é tão importante.

Charpentier e Doudna descobriram o que podemos chamar de tesoura molecular, denominada Crispr-Cas9, que se trata de um mecanismo natural de defesa desenvolvidos por bactérias contra os ataques de vírus (HSU, LANDER e ZHANG, 2014). Quando as bactérias detectam a presença do DNA viral, elas produzem 2 tipos de “pedaços” de RNAs, onde um deles contém informações do invasor (vírus). Estes “pedaços” se juntam formando um complexo, e a proteína Cas9 corta o DNA desativando o vírus (DOUDNA e CHARPENTIER, 2014; AREND, PEREIRA e MARKOSKI, 2017). Esse processo pode introduzir ou excluir informações no nosso DNA, fornecendo mecanismo importantes para o tratamento e até cura de várias doenças (DOUDNA e CHARPENTIER, 2014).

E o que esse mecanismo presente nas bactérias podem ajudar o ser humano? Pois bem, as pesquisadoras perceberam que essa técnica pode ser manipulada não apenas para reduzir o DNA viral (DOUDNA e CHARPENTIER, 2014), mas em qualquer sequência de DNA no local de interesse, bastando apenas alterar o RNA (contendo as informações necessárias) (CHARPENTIER, 2015). Este procedimento permite cortar apenas o local (gene) defeituoso (AREND, PEREIRA e MARKOSKI, 2017) e, após o corte pela Cas9, substituir o gene mutante por um saudável através da adição de outro pedaço de DNA específico, reparando assim o erro (DELTCHEVA et al., 2011).

De fato, esta descoberta tem sido utilizada por diversos laboratórios em todo mundo e revolucionando a biotecnologia nos últimos anos. São muitas as aplicações desta técnica, desde o tratamento e prevenção da propagação de doenças até a sua utilização na agricultura ratificando o grande impacto dessa descoberta.

Referências:





Griffiths, A.J.F., Wessler, S.R., Lewontin, R.C., Gelbart, W.M., Suzuki, D.T., Miller, J.H. Introdução à genética, 8ª ed.. Guanabara Koogan. 2006.  



Watson, J., Crick, F. Molecular structure of nucleic acids; a structure for deoxyribose nucleic acid. Nature. v. 171, n. 4356, p. 737-738. 1953.

Esse texto foi escrito pela aluna de mestrado Suzana Maria Bernardino Araújo como parte da avaliação da disciplina "Prêmios Nobel das Ciências Farmacêuticas" do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, coordenada pelo professor David Majerowicz, junto com os professores Renato C. Sampaio e Heitor A. de Paula Neto.

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