As vezes o louro de uma grande descoberta não se dá exatamente por quem fez o achado, mas sim, por quem melhor soube utilizar este achado. Em vista disso começo falando do Sistema CRISPR/Cas, (Clustered Regularly-Interspaced Short Palindromic Repeats ou em tradução literal Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas) que nada mais é do que um sistema de defesa de bactérias, uma forma de evitar a infecção por vírus em determinados tipos de bactérias que atualmente deu origem a terapia gênica, na qual o Dr. Feng Zhang (China, 1981), professor de Engenharia Biológica do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, tanto se dedica.
Descoberto por Ishino (1987), Mojica (1993) e van Soolingen (1993) ao pesquisarem mecanismo de defesa de bactérias contra invasão de vírus e DNA, o sistema CRISPR é acionado quando há infecção viral na bactéria, assim, esta reconhece o DNA estranho e a enzima Cas (Crispr-Associated) cortam partes do material genético e o introduzem em uma região genômica especifica da bactéria, o locus CRISPR. Nas próximas invasões, as bactérias que contém esse trecho de DNA inseridos nas regiões palindrômicas geram um RNA a partir desta sequência. Em resumo o RNA irá se associar a enzimas Cas para, então, ir até o DNA viral, que é então clivado e, assim, inativado.
Com base neste sistema simples, hoje podemos pensar em engenharia genética, e mais profundamente sua aplicação na edição genômica. O genoma tem uma série de códigos e instruções dentro de sua sequência de DNA. Essa edição de sequências pode ser extremamente vantajosa, já que até o atual momento já dispomos do conhecimento de 3000 genes envolvidos em doenças causadas por mutações genéticas. Utilizando o sistema CRISPR/Cas pode ser inserido um corte no DNA de uma célula para introduzir as mudanças pretendidas.
Porém há uma grande preocupação: gerar alterações no DNA levam a eternas mudanças, o que pode não ser o mais recomendável. Então o professor Zhang e sua equipe resolveram trabalhar com alguma forma que evitaria esse grande problema. A solução: lidar com mutações no RNA, que tem vida relativamente curta.
Em seu mais recente trabalho, Zhang desenvolveu uma estratégia chamada RESCUE (RNA Editing for Specific C to U Exchange, ou Edição de RNA de Troca Específica C para U, em tradução literal), na qual fez o uso de uma enzima Cas13 desativada para guiar a RESCUE até bases de citosina (a letra C da sequência) em transcrição de RNA, então, outra enzima efetora muda citosinas indesejadas para uracilas (a letra U, presente só no RNA). Essa metodologia é baseada em outra que foi desenvolvida pelo mesmo grupo, o REPAIR (RNA Editing for Specific A to I Exchange, ou Edição de RNA de Troca Específica A para I, em tradução literal), na qual a enzimas faz a troca de uma base de adenina (letra A) por outra de inosina (letra I), que é lida como se fosse uma guanina (como a letra I normalmente não existe no DNA ou RNA, ela acaba sendo lida como um G). Como esperado, as mudanças são apenas temporárias (duram o tempo que o RNA leva para se degradar dentro da célula) e reversíveis, o que não acontece com a CRISPR convencional que é aplicada ao DNA e que, uma vez alterada, permanece assim.
Em seus estudos envolvendo REPAIR, publicado na Revista Science, utilizaram a técnica para corrigir mutações nas células humanas que causam anemia de Fanconi (caracterizada por estatura baixa, problemas nos ossos e rins, incidência aumentada de tumores sólidos e leucemias, e anemia) e diabetes do tipo I (caracterizada pela não produção de insulina devido a ataques do próprio sistema de defesa do corpo no pâncreas). O sistema tem uma boa taxa de sucesso e a equipe reduziu o número de erros que ocorriam no RNA de mais de 18.000 para apenas 20.
Já envolvendo o RESCUE, a equipe mostrou que, em células humanas, a técnica pode modificar locais que codificam a β-catenina, proteína envolvida no crescimento celular. Se tal mudança fosse feita permanentemente, poderia levar ao crescimento fora de controles das células e ao câncer. Mas, usando a RESCUE, o crescimento temporário das células poderia, potencialmente, estimular o processo de recuperação de ferimentos, por exemplo.
Esse jovem (em vista dos últimos ganhadores) porém grande pesquisador com resultados promissores, deve ser laureado com o Prêmio Nobel em medicina ou fisiologia este ano.
Esse texto foi escrito pela aluno de mestrado Davi Vicente dos Santos como parte da avaliação da disciplina "Prêmios Nobel das
Ciências Farmacêuticas" do Programa de Pós-Graduação em Ciências
Farmacêuticas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, coordenada
pelo professor David Majerowicz, junto com os professores Renato C.
Sampaio e Heitor A. de Paula Neto
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