Uma terapia que revolucionou o tratamento para o câncer de mama e deve receber o prêmio Nobel desse ano de 2019 é a Herceptina (transtuzumabe). Os pesquisadores H. Michael Shepard, Dennis J. Slamon e Alex Ullrich são os responsáveis por desenvolver este primeiro anticorpo capaz de bloquear uma proteína chamada HER2, importante para o câncer de mama, estágio inicial ou final. Em condições normais, a HER2 (sigla para “receptor tipo 2 do fator de crescimento epidérmico humano”) tem um papel importante no crescimento e desenvolvimento das células e a família desses receptores (HER) é responsável pelo crescimento das mamas. No entanto, quando há alguma mudança na estrutura dessa proteína, o crescimento acaba se tornando de forma não controlada e gerando então o câncer de mama, responsável pela maior quantidade de morte em mulheres.
O desenvolvimento desse medicamento foi de extrema importância para o tratamento do câncer de mama, uma vez que esse anticorpo é capaz de se ligar diretamente ao receptor de HER2 e impedir que ele gere esse crescimento descontrolado das células. Inicialmente esta terapia era feita somente para câncer de mama, porém nos dias de hoje também é utilizado para o tratamento de câncer de estômago avançado. Apesar de ser um tratamento extremamente caro, cerca de dez mil reais uma ampola, está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS). Uma vez introduzido esse medicamento na linha de tratamento das pacientes com câncer de mama, houve uma melhora de forma surpreendente tanto na resposta ao tratamento quanto no aumento de sobrevivência dessas pacientes. Durante um estudo clínico feito por esses pesquisadores, a porcentagem de mulheres com câncer de mama em estágio inicial que estavam vivas e livres da doença quatro anos após o início do estudo foi significativamente maior se elas receberam Herceptina mais a quimioterapia (85,3 %), do que se só fizessem o uso da quimioterapia (67,1 %). Com os pacientes que eram diagnosticados no estágio mais tardio e que havia se espalhado (metástase) a melhora era ainda mais surpreendente: a porcentagem de mulheres cuja doença metastática não progrediu 15 meses após o início do estudo foi significativamente maior se elas receberam Herceptina juntamente com a quimioterapia (~ 17,5 %) do que se fizessem somente o uso da quimioterapia (~ 3 %). Os pesquisadores continuaram a investigar o HER2 e novos tratamentos direcionados a ele foram desenvolvidos. Por exemplo, um medicamento chamado pertuzumabe difere do Herceptina na região do HER2 que ele liga e seu mecanismo de ação. Uma revisão de 2015 relatou que a sobrevida global de mulheres com doença metastática HER2+ que receberam quimioterapia mais pertuzumabe e Herceptina foi superior a 4,5 anos. Em 2001, a expectativa de vida das mulheres com esse diagnóstico que recebiam somente a quimioterapia era de 1,5 ano.
O impacto do desenvolvimento do Herceptina vai além do câncer de mama, estabelecendo que os anticorpos monoclonais podem realmente combater tumores sólidos. Além disso, a inovação oferece um novo modelo para medicina personalizada, implantando um teste de diagnóstico que identifica os pacientes mais adequados para o tratamento com uma intervenção específica. Ao descobrir e explorar a patologia molecular de uma doença devastadora, Shepard, Slamon e Ullrich conceberam e executaram um novo plano para a descoberta de medicamentos que já concedeu a dezenas de milhares de mulheres tempo e qualidade de vida.
Por ser uma proteína que é responsável pelo crescimento de células epidérmicas, outros tipos de câncer também têm sido testados em clínicas oncológicas para o receptor de HER2 e uma vez tendo resultado positivo, o transtuzumabe é incluído no tratamento. Um medicamento que foi desenvolvido através da Herceptina e está sendo amplamente utilizado é o Kadcyla (uma mistura de quimioterápico com o anticorpo monoclonal). A vantagem do Kadcyla é que por ser uma terapia combinada há uma redução dos efeitos adversos nos pacientes, além de conseguir contemplar também aqueles pacientes que são resistentes a outras linhas de tratamento. O aumento da sobrevida desses pacientes é de 32 %. E essa melhora, tanto da resposta a terapia quanto o aumento de sobrevida, não seria possível sem a descoberta feita por esses pesquisadores.
Esse texto foi escrito pela aluna de mestrado Emanuelle Vasconcellos de Lima como parte da avaliação da disciplina "Prêmios
Nobel das Ciências Farmacêuticas" do Programa de Pós-Graduação em
Ciências Farmacêuticas da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
coordenada pelo professor David Majerowicz, junto com os professores
Renato C. Sampaio e Heitor A. de Paula Neto.
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