Anualmente, a premiação Nobel prestigia pessoas ou instituições que realizaram pesquisas, descobertas ou contribuições relevantes para a humanidade no ano mediatamente anterior ou no curso de suas atividades. Trabalhos visando entender o mecanismo de transtorno psiquiátricos e maneiras de auxiliar no tratamento têm sido altamente discutidos. Nesta linha, um grupo de pesquisadores de Natal procurou compreender os mecanismos de substâncias psicodélicas no tratamento de depressão.
A depressão maior é um transtorno de humor altamente prevalente que afeta cerca de 350 milhões de pessoas em todo o mundo, sendo mais comum em mulheres e tendo um grande impacto na saúde geral e qualidade de vida. Este transtorno está associado à desregulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA), o qual está relacionado a eventos estressantes, regulando principalmente a secreção do hormônio cortisol. Sabe-se que por conta dessa desregulação no eixo HPA, os níveis de cortisol (popularmente conhecido como hormônio do estresse) em pacientes com depressão são mais baixos. Desta forma, o hormônio cortisol tem sido utilizado como um indicador biológico importante para avaliar a resposta ao tratamento para depressão.
Recentemente, as substâncias psicodélicas têm emergido como potenciais antidepressivos de ação rápida, principalmente a ayahuasca, um chá com potencial alucinógeno. Este chá é uma decocção de duas plantas e tem sido usado por populações indígenas na América do Sul e também em cerimônias religiosas pelas suas capacidades alucinógenas. Além disso, a ayahuasca possui componentes psicodélicos e componentes inibidores de enzimas que afetam sistemas neurobiológicos relacionados à depressão, sendo um dos motivos para se tornar um grande alvo de estudo na melhora deste transtorno.
O grupo de pesquisadores de Natal se baseou os achados de trabalho científicos anteriores realizados por eles. As pesquisas incluíram um ensaio clínico randomizado com ayahuasca em pacientes com depressão resistente ao tratamento, sugerindo uma redução significativa e rápida dos sintomas depressivos após uma única sessão com ayahuasca, em comparação com um placebo. O estudo explorou os efeitos da ayahuasca na resposta salivar de cortisol após o despertar e nos níveis de cortisol no sangue em pacientes com depressão resistente ao tratamento e em indivíduos saudáveis.
As hipóteses dos pesquisadores era que pacientes com depressão e saudáveis apresentariam diferentes níveis de cortisol no sangue e na saliva após despertar, no início do estudo. Além disso, também esperavam que os níveis de cortisol no grupo de pacientes estivessem correlacionados com a gravidade e/ou duração da doença. Os pesquisadores também hipotetizaram que aumentaria os níveis de cortisol de forma aguda, após a sessão de dosagem e após 48 horas a ingestão de ayahuasca, em pacientes e controles. As alterações nos níveis de cortisol seriam correlacionadas com a melhora observada nos sintomas de depressão.
Como esperado o grupo observou níveis baixos de cortisol basal e uma resposta diminuída de cortisol salivar ao despertar em pacientes com depressão resistente ao tratamento, em comparação com controles saudáveis. Ademais, 48 horas após a sessão de administração de ayahuasca, a resposta de cortisol salivar ao despertar dos pacientes se assemelhou aos níveis encontrados nos controles saudáveis, o que não foi observado nos pacientes que receberam placebo, que continuaram apresentando uma resposta de cortisol salivar ao despertar diferente do grupo de controle.
Como já existem relatos na literatura sobre o papel de ayahuastica na melhora dos sintomas de depressão, os resultados encontrados pelos pesquisadores natalenses sugerem uma modulação fisiológica benéfica pela ayahuasca na resposta de cortisol salivar ao despertar, o que pode estar relacionado à melhoria de vários sistemas fisiológicos, emocionais e cognitivos regulados pelo cortisol.
Embora os níveis de cortisol tenham mostrado grande variabilidade, este estudo contribui para apoiar a investigação adicional da ayahuasca como tratamento para a depressão, uma vez que a regulação dos níveis de cortisol é considerada importante no tratamento da depressão. Além de auxiliar na compreensão do transtorno depressivo, também abre portas para o entendimento e aceitação de psicodélicos como medicamentos, reduzindo o tabu por trás das substâncias, sendo de grande relevância para a comunidade acadêmica e merecedor de um prêmio Nobel.
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Esse texto foi escrito por Beatriz Sarmiero Rodolpho, aluna de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Biociências da Universidade do Estado do Rio de Janeiro como parte da avaliação da disciplina "Prêmios Nobel em Biociências", coordenada pelo professor David Majerowicz.
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