Pular para o conteúdo principal

[Chute do Nobel T3E2] Palpite: Philip D. Stahl, Maria da Graça Raposo e Clotilde Thery (vesículas extracelulares)


Para realizar suas funções, as células de todos os organismos precisam se comunicar. Isso pode acontecer por meio do contato direto entre elas, transferência e secreção de moléculas e, mais atualmente, foi descoberta uma nova forma de comunicação: através das vesículas extracelulares.

As vesículas extracelulares são projeções de membrana que podem ser formadas por todos os tipos celulares, carregam o conteúdo da célula de origem e são capazes de realizar a transferência desse conteúdo para a célula alvo, que pode estar próxima ou distante. Sua composição depende da célula de origem, sendo altamente heterogênea, podendo conter lipídeos, ácidos nucleicos e proteínas.

Elas são classificadas de acordo com a maneira que foi formada e pelo seu tamanho (algumas são tão pequenas que possuem o mesmo tamanho dos vírus!). As principais vesículas extracelulares estudadas são as vesículas extracelulares pequenas ou exossomos que possuem aproximadamente de 40-120 nm de diâmetro e são originados a partir de compartimentos endossomais celulares e as grandes ou microvesículas, que possuem de 50-1000 nm e são liberadas por brotamento da membrana plasmática.

Desde 1946, com estudo de Chargaff e West, havia uma curiosidade a respeito de uma fração que era sedimentada por centrifugação. Na época, não se sabia a importância dessas estruturas e foram consideradas “poeiras celulares”. No trabalho de Neville Crawford, de 1967, foi sugerido a importância biológica desses componentes livres de células, que passaram a ser denominados micropartículas.

A década de 80 foi marcada pelo aumento da compreensão das vesículas e, os laboratórios de Philip Stahl e Rose Johnstone tiveram papéis essenciais nesse processo. As vesículas extracelulares pequenas foram descobertas e demonstradas em imagens belíssimas de microscopia eletrônica em 1983 pelo grupo do pesquisador Philip Stahl. E, em 1987, o grupo da pesquisadora Rose Johnstone as nomeou como exossomos. Embora atualmente seja evidente a importância desses trabalhos, a própria Rose sentiu, na época, que a descoberta era casualidade.

Em 1996 foi publicado artigo, escrito pela pesquisadora Maria da Graça Raposo, que demonstrou que as vesículas extracelulares de células imunes são capazes de apresentar antígeno e foi considerado divisor de águas na área pois demonstrou que essas estruturas têm realmente ação em diversos processos biológicos.

As pesquisadoras Maria da Graça Raposo e Clotilde Thery, ambas do Instituto Curie, se destacam na contribuição do avanço das pesquisas dessa área. Em 2001, realizaram análise proteômica de exossomos, em 2006 demonstraram protocolo de isolamento e caracterização dos exossomos e, em 2011, mostraram a secreção dessas estruturas, entre muitos outros trabalhos importantes. Além disso, atualmente participam da Sociedade Internacional de Vesículas Extracelulares, que desempenha um papel importantíssimo no avanço dos estudos na área, principalmente para a padronização dos protocolos experimentais.

Atualmente, há um grande crescimento no interesse de estudo dessas estruturas pois além de ter papel fisiológico também têm função em patologias. Com isso, podem ser utilizadas como marcadores de diagnóstico e estratégias terapêuticas, em doenças como câncer, isquemia e acidente vascular cerebral.

Apesar do papel fundamental de diversos pesquisadores no processo de conhecimento das tão importantes vesículas extracelulares, como Chargaff, West, Neville Crawford e Rose Johnstone, não há possibilidade de premiação póstuma. Por essa razão, o meu palpite para os vencedores do prêmio Nobel de 2023 serão: Philip D. Stahl, Maria da Graça Raposo e Clotilde Thery.

-----
Esse texto foi escrito por Carol Costa Encarnação, aluna de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Biociências da Universidade do Estado do Rio de Janeiro como parte da avaliação da disciplina "Prêmios Nobel em Biociências", coordenada pelo professor David Majerowicz

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Não, suco de melão São Caetano não é a cura do câncer

Recebi pelo Facebook um link para uma postagem do blogue Cura pela Natureza . Lá é descrito o poder de uma planta medicinal capaz de curar o câncer, controlar o diabetes e, de quebra, fortalecer a imunidade do corpo. Sinistro, né? A planta em questão é chamada de melão São Caetano ou melão amargo. Conhecida cientificamente como Momordica charantia , essa planta faz parte da família Cucurbitaceae, junto com outras plantas famosas, como a abóbora, o pepino e a melancia. Ela cresce bem nas áreas tropicais e subtropicais da África, Ásia e Austrália, e foi trazida ao Brasil pelos escravos. O texto cita o Dr. Frank Shallenberger, dos Estados Unidos, que seria o descobridor dos efeitos medicinais da planta. Fui então atrás das pesquisas publicadas pelo Dr. Shallenberger para saber mais sobre os poderes do melão São Caetano. E descobri que ele nunca publicou nenhum trabalho científico sobre a planta (na verdade, ele nunca publicou qualquer coisa!). Como que a

Não, a fosfoamina não é (ainda) a cura do câncer

Em agosto desse ano, uma reportagem do portal G1 mostrou a luta de pacientes com câncer na justiça para receber cápsulas contendo o composto fosfoamina (na verdade, fosfoetanolamina) que supostamente curaria a doença. O “remédio” era produzido e distribuído pelo campus da Universidade de São Paulo na cidade de São Carlos, mas a distribuição foi suspensa por decisão da própria reitoria, já que o composto não é registrado na ANVISA (todo remédio comercializado no país deve ser registrado) e não teve eficiência comprovada. Porém, alguns dos pacientes tratados com a fosfoamina relatam que foram curados e trazem exames e outras coisas para provar. Segundo o professor aposentado Gilberto O. Chierice (que participou dos estudos com a substância), “A fosfoamina está aí, à disposição, para quem quiser curar câncer”. Mas, vamos devagar, professor Gilberto; se a fosfoamina realmente é a cura para o câncer, por que não foi pedido o registro na ANVISA? O Governo Federal poderia produzir gran

Dr. José Roberto Kater e o ovo: vilões ou mocinhos?

Ontem, eu recebi pelo Facebook um vídeo de uma entrevista com o Dr. José Roberto Kater onde ele comenta sobre os benefícios do ovo na alimentação. Porém, algumas coisas me soaram um pouco, digamos, curiosas (na verdade, em pouco mais de três minutos de vídeo poucas coisas pareceram normais (o vídeo completo está disponível no fim do texto)). O Dr. Kater é, segundo a Internet, médico, obstetra, nutrólogo, antroposófico (a medicina antroposófica é um ramo alternativo com base em noções ocultas e espirituais), homeopata, acupunturista e com mais algumas outras especialidades. Porém, não é cientista, já que não tem currículo cadastrado na Plataforma Lattes (do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento, CNPq) ou assina qualquer artigo científico indexado em banco de dados internacional. Para mim, o cara pode dizer que é o Papa, eu não vou acreditar nele de primeira. As informações científicas estão disponíveis e eu fui pesquisar para entender se o Dr. Kater é um visionário ou ch